Susa Monteiro Trocou o teatro pela BD
Mudou-se para Beja e tem tido a sorte de publicar com regularidade. Mas sabe que está próximo o momento de abandonar a história curta para se aventurar por obras de maior fôlego. Formula um desejo: contar uma história a que os leitores se deixem prender.
O que faz alguém mandar às urtigas a formação em teatro e um ano de trabalho para se entregar de corpo e alma à banda desenhada? No caso de Susa Monteiro, a resposta é curta e directa: "Sempre desenhei e fiz ilustração, mas o corte aconteceu com a vinda para Beja e a minha entrada no colectivo Toupeira." Ainda pensou em ir para o estrangeiro, mas afastar-se de Beja era-lhe impossível.O regresso à cidade onde nasceu, sim, podia ser - "Gosto muito do campo e de uma vida tranquila." Assim aconteceu depois de ter estado três anos em Lisboa mas com o fito em Beja, para onde sempre quis voltar. A decisão seguinte foi a entrada, em 2002, no atelier de banda desenhada Toupeira, existente desde 1997, que esteve na origem do núcleo que hoje anima a Bedeteca de Beja e realiza um importante festival de BD na mesma cidade. Susa Monteiro ainda não o sabia, mas foi nesse momento que o seu destino ficou traçado.
Viver no interior alentejano não a preocupa. Estar fora dos grandes centros habitacionais, onde, aparentemente, pouco ou nada acontece em termos culturais, não é problema para esta jovem autora de banda desenhada. "O acesso mais fácil à cultura nos grandes centros não é sinónimo de melhor qualidade de vida", diz. E, sempre que o deseja, Lisboa ou outro qualquer destino nem sequer estão assim tão longe.
O mais paradoxal é que Susa Monteiro não gostava de banda desenhada e não conhecia nada do universo das histórias aos quadradinhos. Mas havia as pessoas, que achou "muito mais interessantes, sinceras e simples", e que estavam em sintonia com aquilo que ela própria pretendia fazer na vida. É claro que a criação de histórias aos quadradinhos é um processo solitário, mas como gosta de trabalhar em equipa - é um dos elementos mais activos do núcleo que realiza anualmente o Festival Internacional de Beja, na Primavera -, o Toupeira proporciona-lhe a oportunidade de partilhar "sonhos, vontades e esforços".
Não fazia a mínima ideia do que se podia fazer na BD. "Aprendi literalmente com eles a contar histórias, desenhar sequências, incluir balões, em suma, a fazer bandas desenhadas", diz. Susa Monteiro não tem qualquer problema em assumir-se como autodidacta e acha que isso, no seu caso, até foi uma "vantagem", pois pôde começar a fazer o seu próprio percurso sem "nenhuma ambição especial". E depois há a referir as surpresas agradáveis ligadas à descoberta dos grandes nomes da BD. Para Susa, eles chamam-se David B, Sfar, Christophe Blain e, sobretudo, Gipi: "O trabalho que eu gostaria de fazer algum dia é o de Gipi. Gosto imenso dos seus desenhos, das suas histórias do quotidiano com elementos de surrealismo e de sonho."
Desde que publicou a sua primeira história, no número inaugural do fanzine Venham+5, em 2005, Susa Monteiro tem tido facilidade em publicar. A palavra "facilidade" é da própria autora, que se considera "muito sortuda": "As pessoas gostaram, desde sempre, do meu trabalho e nunca precisei de ir às editoras apresentar as minhas bandas desenhadas."
Histórias curtas e a preto e branco são a matriz dominante na bibliografia da criadora alentejana, dadas à estampa em publicações portuguesas, mas também da Galiza. Razões? É o formato em que se sente mais à vontade, pois não exige planificação. Além disso, é de mais fácil publicação.
A aguarela preta constitui a sua opção gráfica favorita, porque lhe permite "um domínio total sobre o que está a fazer": "Sinto que é o que mais se adequa ao que eu prefiro fazer. Consigo realizar histórias luminosas ou escuras através do preto e branco."
Já a cor ("só em computador") é mais complicada, pois a artista não se sente com capacidade técnica suficiente para produzir trabalho de qualidade com esse meio. Ainda assim, é de referir a realização de uma biografia de Jorge Palma (Biografias BD Pop Rock Português, edição Tugaland, já este ano), enquanto ultima um volume do projecto Black Box Stories, de José Carlos Fernandes.
Com o tempo dividido entre a organização do festival e a resposta aos pedidos de colaboração, está ciente de que mais cedo ou mais tarde terá de abandonar o casulo da história curta ("ainda não consegui dedicar-me a um projecto próprio") e aventurar-se pelos territórios da obra de maior fôlego. Para isso, terá de deixar de lado a improvisação que tem caracterizado o seu método de trabalho ("habitualmente, começo a desenhar sem nenhuma ideia, faço uma vinheta e depois vou avançando") e encontrar a futura história a contar. Pressente-se alguma apreensão e ansiedade quando Susa Monteiro fala disso, sobretudo porque é visível a dificuldade para explicitar aquilo que pretende fazer num futuro próximo:
"Gostaria de fazer uma história de contornos poéticos que prendesse o leitor, não exclusivamente realista, mas sonhadora. A realidade pode ser o ponto de partida, mas o mais importante para mim é que fosse algo que causasse surpresa aos leitores, que estes se deixassem prender e levar pelo que é contado. Sei o que me interessa a mim contar, mas não sei se serei capaz de pôr as pessoas a pensar. Confrontá-las com isso, sim."
Susa Monteiro tem mais facilidade em dizer o que fará quando tiver a história pronta: "Vou procurar editor, começando por aquele de quem gosto mais." a