"O Irão foi a primeira vítima da BP"

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Protesto ? Bettmann/CORBIS/VMI

A história da origem da British Petroleum parece um thriller da Guerra Fria. Envolve ganância, conspirações, interesses escondidos e golpes de Estado para sustentar fortunas resultantes da exploração do "ouro negro". Nada disto foi, porém, ficção e explica muita da desconfiança que, mais de cem anos depois, persiste no Médio Oriente face ao Ocidente.

Constata o iraniano Arash Norouzi, artista plástico e co-fundador do grupo The Mossadegh Project: "É irónico o paralelismo do actual desastre da BP com a crise da Anglo-Iranian [Oil Company, AIOC] no Irão, há meio século", disse à Pública por email.

Foi em nome da estabilidade política do Irão no início dos anos 1950, face à nacionalização dos activos da AIOC, que os britânicos incitaram os EUA a montar a Operação Ajax - a primeira vez que a CIA derrubou um governo legítimo estrangeiro.

Muitos anos antes, em 1908, o petróleo jorrava pela primeira vez no Irão. "Um prémio do país das fadas que nem nos nossos mais loucos sonhos poderíamos imaginar", descreveu Winston Churchill. Muzzaffar al-Din, um xá corrupto da dinastia Qajar, colocara o monopólio dos direitos de exploração deste recurso nas mãos do financeiro londrino William Knox d"Arcy. Não tardou muito a que a Grã-Bretanha fizesse tudo para assegurar que nada escaparia ao seu controlo.

Em 1913, o Governo britânico adquiriu 51 por cento da recém-criada Anglo-Persian Oil Company (antecessora da AIOC) e desde então os interesses políticos do Reino Unido e daquela companhia passaram a funcionar como um só, assinala Stephen Kinzer no seu livro Os Homens do Xá.

Sete anos mais tarde, a Grã-Bretanha convenceu o imperador a assinar o infame Acordo Anglo-Persa: os ingleses passaram a dominar o exército, os dinheiros do Estado, o sistema de comunicações e o de transportes. Impuseram a lei marcial e passaram a governar por decreto.

Estas medidas mobilizaram os nacionalistas na oposição, mas foi preciso esperar quase 40 anos para que os iranianos conseguissem gerir os seus recursos petrolíferos.

Ao longo de várias décadas, a antecessora da BP fizera enormes investimentos: mais de 160 quilómetros de oleodutos, perfuração de inúmeros poços e montagem de uma rede de bombas de gasolina no Reino Unido, com resultados a condizer: milhões de barris de petróleo e exportações dentro e fora da Europa, recorda Kinzer.

De todos, o empreendimento mais singular foi a construção da maior refinaria do mundo até aos anos 1950, em Abadan, no Golfo Pérsico. As condições de trabalho eram completamente diferentes entre os ingleses e os "nativos": os primeiros formavam a maior parte dos técnicos e administrativos da empresa e viviam em moradias com belos jardins. Os iranianos eram operários sem instrução e habitavam bairros de lata, sem escolas, hospitais, estradas e sem a rede telefónica prometida num pacto firmado em 1933, quando o nome da companhia foi alterado para AIOC.

As condições de partilha dos lucros da exploração petrolífera pendiam também fortemente a favor dos britânicos, apesar de várias tentativas de alteração do acordo. Em 1947, dos lucros líquidos de 40 milhões de libras, só chegaram aos iranianos sete milhões. O petróleo era vendido à Royal Navy por um preço muito abaixo do seu valor de mercado. Mais de metade de todas as receitas iam directamente para o Governo britânico, o restante para os accionistas privados.

A revolta iraniana foi crescendo de tal forma que o Parlamento (Majlis), que começara a funcionar em 1906, aprovou a nacionalização da indústria petrolífera, em Março de 1951, criando a National Iranian Oil Company. À frente deste movimento estava Mohammed Mossadegh, ainda hoje venerado entre laicos e religiosos como "o símbolo" de um regime democrático.

Os britânicos ficaram indignados com a ousadia de Mossadegh, o primeiro-ministro que foi duas vezes capa da revista Time (designou-o Homem do Ano) e só esteve no poder 23 meses. Fizeram tudo ao seu alcance para paralisar a nacionalizada indústria petrolífera iraniana, com falta de recursos humanos e técnicos especializados. Ameaçaram até com uma intervenção armada.

Quanto aos Estados Unidos, que durante muito tempo tinham tentado conciliar as posições divergentes entre iranianos e britânicos, deixaram-se convencer por Churchill de que o Irão de Mossadegh poderia cair nas mãos da União Soviética. O presidente Eisenhower enviou para o país um agente secreto (Kermit Roosevelt, neto de outro presidente) para instigar o golpe que derrubou o popular chefe do Governo em 1953.

A saída de cena de Mossadegh e o regresso ao Trono do Pavão do xá Mohammed Reza Pahlavi (que fugira do país) permitiu à AIOC, agora rebaptizada de British Petroleum, retornar aos campos de petróleo iranianos, em 1954 - mas acompanhada de outras petrolíferas, incluindo cinco norte-americanas precursoras da ExxonMobil e da ChevronTexaco.

Relembra Arash Norouzi: "A BP é uma companhia estrangeira a operar em solo americano, com poucas preocupações sobre o bem-estar dos cidadãos ou do ambiente. Embora a costa do Golfo não seja o paraíso colonial de Abadan nos anos 1950, a injustiça do efeito económico do desastre nos trabalhadores é igualmente devastador.

O impacto ecológico do derrame de petróleo da BP, tal como as consequências do golpe da CIA no Irão em 1953, é enorme a longo prazo e irreparável. Talvez os americanos compreendam agora melhor a luta de Mossadegh. Naquela altura, foi o Irão a vítima da BP; agora é a América." a

Inês Sequeira

isequeira@publico.pt

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