Dez anos de Clara Ferreira Alves
Quando li, de enfiada, os três volumes da trilogia erótica As Cinquenta Sombras da escritora E. L. James há umas semanas, não conseguia deixar de pensar na crónica que Clara Ferreira Alves tinha escrito meses antes na sua Pluma Caprichosa no Expresso. Não é raro acontecer-me isso. Mas, como não leio o jornal em papel, não pude recortar essa crónica e não a guardei. E como o espaço no iPad não é infinito há muito que a versão em PDF desse jornal foi apagada do meu tablet. Por isso, a minha alegria quando vi que o livro Estado de Guerra - Dez Anos de Prosa acaba de ser publicado pelo Clube do Autor. Reúne dez anos de prosa escolhida da jornalista que foi editora da Revista e editora literária do semanário onde continua a publicar jornalismo e ensaio. Onde por acaso há uma crónica intitulada "Tabletes só de chocolate", em que a autora defende o impresso versus digital porque "o papel sabe a memória". Ora aí está.
No prefácio deste livro, Clara Ferreira Alves, que também é comentadora no programa Eixo do Mal(SIC Notícias) e em tempos foi directora da Casa Fernando Pessoa, diz que nada a surpreende mais do que ser interpelada "por leitores que recordam uma prosa antiga na qual dizia isto ou aquilo". Mas diz também que "é este processo de troca que enriquece o debate e conduz à pergunta sobre a verdade". Enquanto estava a fazer a selecção dos textos para este livro, Clara Ferreira Alves notou "obsessões e repetições" da "prosa e da realidade". Conta ela: "Reparei que, nos anos da riqueza e da prosperidade, os portugueses já eram aconselhados "a apertar o cinto" e eram ameaçados com a austeridade. Reparei que a desigualdade e a pobreza são temas recorrentes e tão repetitivos como os lugares-comuns da paz no Médio Oriente, uma região que me atrai porque nunca é banal na repetição da guerra."Estado de Guerra - Dez Anos de Prosa está dividido em cinco partes: 1) "O país tipo Portugal" (nome da crónica que abre o livro sobre os portugueses, "os felizes inventores do queijo tipo Serra" e do "sapato tipo italiano" e que foi publicada em 2006); 2) "Por esse mundo fora" (que tem a crónica de 2003 que conta um regresso a casa depois de uma viagem ao Brasil e termina com a emblemática frase: "Às vezes, nós, portugueses, demos certo."); 3) "Dez anos que abalaram o mundo" (onde está a sarcástica "Googlem "as gajas"", publicada em 2011: "As mulheres conhecem a privação de direitos melhor que os homens. Googlem a palavra "gajos" e que aparece? Os gajos são todos iguais. Exactamente. O algoritmo não engana."); 4) "Saber ler e escrever" (com homenagens a Eduardo Lourenço, António Damásio, Cesariny, Sophia, Cardoso Pires) e por fim 5) "Histórias de memória" (com uma ode aos "gloriosos anos 80" em que éramos felizes). "Todas as vidas viram coisas inacreditáveis. Se não fôssemos humanos com memória, tudo se perderia. Como lágrimas à chuva." Pois é.