Viver ou morrer: eis a questão jurídica...

Os milagres da medicina podem ser pesadelos existenciais.

Em 13 de Janeiro passado, o médico que acompanhava Vincent Lambert na unidade de cuidados paliativos, decidiu com o apoio da sua mulher e cumpridas as formalidades da lei francesa, suspender a alimentação e a hidratação artificiais por considerar que tais medidas já não visavam o bem do doente, antes consistindo numa obsessão terapêutica insensata (déraisonnable).

No entanto, os pais de Vincent e outros familiares conseguiram que um tribunal administrativo francês, em 16 de Janeiro, suspendesse essa decisão, mantendo-se a alimentação e hidratação artificiais. A mulher de Vincent, igualmente enfermeira psiquiátrica e que assegura que o seu marido não pretenderia continuar a viver nas condições em que está e o Centro Hospitalar Universitário de Reims recorreram da decisão para o Conselho de Estado - uma espécie de supremo tribunal administrativo mas também com funções consultivas do governo – que ordenou a realização de uma série de exames médicos a Lambert e solicitou diversos pareceres.

Na passada terça-feira, finalmente, o Conselho de Estado decidiu: revogou a decisão do tribunal administrativo e confirmou, assim, a decisão de suspender a alimentação e hidratação artificiais de Lambert.

Dir-se-ia que o assunto estava terminado mas isso seria ignorar a actual estrutura jurisdicional europeia no campo dos direitos humanos: os pais de Vincent Lambert apresentaram uma queixa no TEDH e este tribunal solicitou ao Estado francês que suspendesse a decisão do Conselho de Estado de forma a permitir que o TEDH se pronuncie sobre o assunto.

O TEDH deu garantias que vai pronunciar-se o mais depressa possível mas o destino de Vicent Lambert está, seguramente, suspenso por mais alguns meses. Ainda bem, dirão os que consideram que a sua vida deve ser prolongada enquanto for medicamente possível e ainda mal, dirão aqueles que entendem que o prolongamento artificial da vida não faz sentido. Pessoalmente, estou do lado destes últimos. Mas o que irá o TEDH decidir ?

Os pais de Vincent Lambert, seguramente que alegarão, na sua queixa, a violação do direito à vida consagrado no artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Convenção) que determina que ““ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida”. E provavelmente porão em causa que o processo que terminou com a decisão do Conselho de Estado tenha sido equitativo como é exigido pelo artigo 8.º da Convenção.

O TEDH já se pronunciou sobre alguns casos que respeitam ao fim da vida sendo que no mais recente, o caso Gross contra Suíça, em que estava em causa uma senhora de idade suíça que se queixava de não ter obtido das autoridades a autorização para adquirir a dose mortal de um medicamento para colocar fim à sua vida, o TEDH tomou uma decisão com alguma ambiguidade. Decidiu, em 14 de Maio de 2013, que o estado suíço tinha violado o direito ao respeito da vida privada da senhora em causa já que a legislação sobre tal matéria não era clara tendo causado à queixosa uma “angústia considerável” mas, por outro lado, o TEDH não se pronunciou sobre a questão de se saber se a queixosa devia ou não ter sido autorizada a comprar a medicação mortal pretendida. De resto, o governo suíço, solicitou que o processo, fosse apreciado de novo mas em Grande Câmara – uma espécie de plenário do TEDH – pelo que a decisão referida não é definitiva.

Noutros casos em que estava em causa, de alguma forma, o direito a morrer seja sob a forma de suicídio, suicídio assistido ou eutanásia, o TEDH tem tomado posições cautelosas. Embora não aceite existir um direito a morrer, que deva ser assegurado pelo Estado, como contraponto do direito à vida, o TEDH, ao abrigo do direito ao respeito a vida privada, tem dado guarida às pretensões daqueles que se queixam de obstáculos estatais à sua vontade de morrer, como no caso Koch contra a Alemanha, semelhante ao caso Gross contra Suíça, em que a 19 de Julho de 2012, o TEDH condenou aquele país.

No caso de Vincent Lambert, não parece nada provável que o TEDH venha a condenar o Estado francês por violação do direito à vida. A decisão de descontinuar a alimentação e a hidratação de Lambert parece estar sustentada, tanto factualmente como legalmente, de forma sólida. E a Convenção não consagra um direito (e um dever do Estado) ao obstinado prolongamento de uma vida artificial.

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