Vitórias que sabem a derrota ou o protesto dos professores visto por Guinote

Manifestação de 8 de Março de 2008, que levou mais de 100 mil docentes à rua, é recordada por Paulo Guinote num livro que será lançado esta terça-feira, em Lisboa.

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Paulo Guinote foi um dos mentores da blogosfera docente PÚBLICO/Arquivo

O que vale o lançamento de um livro? Poderá haver respostas para todos os gostos, mas no caso equivaleu a uma admissão de derrota. Foi o que aconteceu ao professor do ensino básico, Paulo Guinote, quando a 1 de Julho de 2010 decidiu marcar presença na apresentação do livro em que a ex-ministra da Educação socialista, Maria de Lurdes Rodrigues, fez o balanço do seu mandato (A Escola Pública Pode  Fazer A Diferença). Guinote, que foi um dos mentores da blogosfera docente que teve na ex-governante um dos principais alvos, escreve agora que foi “só naquele momento” que teve a “percepção verdadeira da impossibilidade de sucesso dos professores no seu confronto com o Governo e a ministra da Educação em 2008 e 2009”.

A confissão consta de outro livro, este da autoria do próprio Guinote, que será lançado esta terça-feira em Lisboa. Chamou-lhe Memórias Da Grande Marcha Dos Professores, um exercício contra o esquecimento que tem como epicentro aquela que foi a maior manifestação docente: a 8 de Março de 2008, mais de 100 mil saíram à rua, em Lisboa, contra o novo Estatuto da Carreira Docente (ECD) e o modelo de avaliação aprovados pela então ministra de José Sócrates.

Com o primeiro, a classe docente passaria a estar dividida, pela primeira vez, em duas categorias, sendo que só uma (a dos professores titulares) poderia ascender até ao topo. Com o segundo, a avaliação dos docentes passaria também a depender dos resultados dos alunos, da observação das aulas e do preenchimento de uma avalanche de fichas e documentos. A divisão da classe em duas categorias foi enterrada com o novo ECD aprovado em 2010, já com isabel Alçada como ministra da Educação. Também o modelo de avaliação aprovado pro Maria de Lurdes Rodrigues ficou pelo caminho.

Porquê então o sentimento de derrota? Voltando ao lançamento do livro de Maria de Lurdes Rodrigues, Guinote assume que ao ver quem lá estava (ele saiu antes do início da sessão) percebeu que “nunca teria sido possível vencer uma coligação tão ampla de gente que se percebe admirar a acção tida como ‘firme’ da ex-governante”. “Quase todo o arco da governabilidade está presente (….), acrescido de muita gente que ainda navega nas franjas à esquerda do PS”, descreve.

O autor do antigo blogue A Educação do Meu Umbigo, assume que a manifestação de 8 de Março de 2008 foi a predecessora de outras mais recentes como a que se realizou em Setembro de 2012, sob o lema Que se lixe a troika, inaugurando um modelo de mobilização que foi feito, “pela primeira vez, em moldes que ultrapassaram em muitos os canais tradicionais do protesto sindical”.

Por essa razão constituiu-se como “uma ameaça ao establishment cujos efeitos era necessário conter”, sustenta Guinote, admitindo que foi o que sucedeu nos meses e anos seguintes, com “o aumento da precarização dos contratados e o empurrar de muitos dos mais experientes para aposentações antecipadas”.

Castigo político
Os protestos dos professores foram apontados por muitos como uma das razões que levaram à perda da maioria absoluta do PS em 2009. O actual primeiro-ministro, António Costa, foi um dos que previu que tal acontecesse ainda em 2008. Mais recentemente, numa entrevista ao jornal i, assumiu que, devido ao facto de a sua mulher ser então educadora de infância, constatou “o absurdo que constituiu aquela modelo de avaliação dos professores”, apesar de estar no Governo quando foi aprovado e de Maria de Lurdes Rodrigues continuar a ser uma das suas apoiantes.

“Gastei fins-de-semana procurando preencher aquelas quinhentas fichas de avaliação e percebi bem o absurdo do monstro burocrático que se estava ali a criar. Não me surpreendeu o grande castigo político que o PS sofreu por causa disso”, acrescentou.

Mas os professores tinham querido mais. Que a ministra se tivesse demitido, que a sua “dignidade” tivesse sido devolvida. Estas são algumas das ambições que vão sendo desfiadas ao longo do livro de Guinote.

Para a sua elaboração, Guinote inquiriu 55 docentes que participaram nos protestos, mais uma dezena de jornalistas, e recorreu também ao que então se escreveu na blogosfera e fora dela sobre este movimento. “A esta distância, os textos e comentários publicados em blogues durante o primeiro semestre de 2008 revelam até que ponto era urgente a vontade de comunicar” e também “a emoção colocada em muitos dos escritos”.

Muitos dos blogues de então já fecharam as portas, assim como desapareceram a maioria dos movimentos independentes de professores que proliferaram nos anos de contestação a Maria de Lurdes Rodrigues, que foram ainda os primeiros em que parte da classe se virou contra os sindicatos de professores, como Guinote também recorda neste seu livro.

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