Dois anos de pena suspensa e acompanhamento psicológico para ama condenada por maus tratos

Sexagenária está proibida de exercer guarda de menores ou de outras pessoas indefesas.

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A ama cuidava de 17 crianças num apartamento de quatro assoalhadas Daniel Rocha (arquivo)

Tudo se passou no centro de Lisboa, na Avenida Miguel Bombarda, há menos de três anos. A ama foi vista a esbofetear um menino de dois anos na marquise das traseiras onde fazia as refeições das crianças, havendo suspeitas de que tivesse batido também num segundo menino. Nas quatro assoalhadas da casa onde funcionava o infantário improvisado Vavá, como lhe chamavam as crianças, acolhia 17 menores, com idades que iam dos três meses aos três anos, apesar de como ama não poder por lei tomar conta de mais de quatro.  Grande parte dos pais sabia tratar-se de uma creche clandestina, mas os preços módicos – entre os 40 e os 150 euros mensais na maior parte dos casos – e a disponibilidade da sexagenária, que acolhia as crianças também aos fins-de-semana e fora de horas, falavam mais alto.

Os maus tratos pelos quais foi condenada dizem respeito não apenas às bofetadas que confessou ter dado ao primeiro menino, mas também às condições em que funcionava a creche, que acabou por ser fechada depois de o vídeo das agressões ter passado na SIC. As crianças eram alimentadas em grupos de seis, todas do mesmo prato e com a mesma colher, e não havia mais ninguém senão a ama para tomar conta delas todas. Quando chegou ao apartamento, uma inspectora da Segurança Social que já tinha mandado encerrar outra creche clandestina da mesma proprietária encontrou-as num inexplicável estado de silêncio e apatia. As análises toxicológicas feitas aos menores não confirmaram a hipótese de dopagem. “O estabelecimento apresentava deficiências graves nas condições de segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto que punham em causa os direitos dos utentes e a sua qualidade de vida”, escreveram os inspectores.

Para a suspensão da pena de cadeia decidida ontem pela juíza contribuíram a fase difícil por que passava na altura a ama, a quem tinha morrido há pouco tempo o marido, um doente de Alzheimer que se encontrava ao seu cuidado, e o facto de ter reputação de ser “uma pessoa de bem, trabalhadora e sempre disponível”. Os próprios pais das crianças que depuseram em tribunal elogiaram a sua capacidade de lidar com os filhos. O facto de ter confessado o crime e se ter mostrado arrependida também jogou a seu favor.

Para o tribunal, ainda assim, os actos da arguida, “excederam tudo o que é tolerável na esfera jurídica” em matéria de castigos legalmente permitidos a quem exerce o poder paternal, o chamado "direito de correcção". “Expôs a criança a maus tratos físicos e psíquicos. Quis magoá-la”, criticou a juíza, explicando que não foi possível identificar a segunda criança alegadamente alvo de violência, razão pela qual “Vavá” foi absolvida de um segundo crime. Ao maltratar alguém demasiado frágil para se defender, a ama incorreu em desrespeito pela dignidade da pessoa humana, referiu ainda a juíza.

Quando soube da sentença a arguida chorou, conta o seu advogado, Túlio Machado. “Vavá” foi dispensada pelo tribunal de estar presente durante a leitura da decisão e ainda não decidiu se irá apresentar recurso. O mesmo poderá fazer o Ministério Público, que tinha pedido uma resposta “vigorosa” da justiça a este caso. “Ela disse que nunca mais quer trabalhar com crianças. Mas que continua a querer estar com elas, porque as adora”, relata Túlio Machado.

 

 

 

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