Sucedânea da pirâmide Telexfree está licenciada na Zona Franca da Madeira

Esquema de dinheiro fácil consiste em ganhar comissões com a colocação de anúncios na Internet e a venda de pacotes de comunicação. No mês passado, foi considerado fraudulento nos Estados Unidos.

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Milhares de investidores madeirenses receiam não poder recuperar os cerca de 50 milhões de euros investidos em mais de 40 mil contas Daniel Rocha

A Telexfree tornou-se um fenómeno viral na sociedade madeirense, envolvendo figuras públicas de várias áreas e conhecidas individualidades da administração regional, mas a tentativa de “exportação” para a ilha de Jersey, onde existe uma importante comunidade de emigrantes da Madeira, foi barrada pela apertada vigilância das autoridades locais. E até entrou no discurso do presidente do governo madeirense que comparou a rede de marketing multinível à agricultura da ilha. "A agricultura constituiu, permitam-me a comparação, uma espécie de Telexfree neste tempo de crise, porque não há dúvida que mais uma vez se mostrou e demonstrou que a terra, a propriedade, aquilo que é concreto, isso nunca perde o seu valor quando é explorada inteligentemente", disse Alberto João Jardim.

A contrastar com o optimismo do governante, que revelou algum desconhecimento do esquema daquela pirâmide financeira cujo nome trocou, a apreensão dos investidores madeirenses, gerada com a insolvência da Telexfree nos Estados Unidos e a proibição de operar no Brasil, volta-se agora para a Wings Network, empresa de marketing multinível que vende produtos semelhantes e utiliza os mesmos angariadores na ilha. O esquema de adquirir dinheiro fácil também consiste em ganhar comissões através da colocação de anúncios na Internet e a venda de pacotes de comunicação.

Escritórios no Funchal e em Lisboa, registo no Dubai

Licenciada na Zona Franca da Madeira, esta sociedade por quotas, com um capital de 100 mil euros, tem escritórios (loja 1) no número 24 do Caminho do Engenho Velho, no Funchal, e no Parque das Nações em Lisboa. Apesar disso, foram infrutíferas as tentativas de contacto, pelo telefone e email indicados no site, feitas pelo PÚBLICO no sentido de esclarecer a natureza dos negócios desta empresa também inscrita numa zona
offshore em Hamriyah, nos Emirados Árabes Unidos. O mesmo endereço da Madeira, e igual objecto social, apresenta a empresa Tropikgadget Unipessoal Lda, que com idêntico capital social de cem mil euros, usufrui de benefícios fiscais por também estar licenciada no offshore madeirense.

Com a actividade iniciada em Janeiro passado, a Wings Network apresenta-se como uma “empresa que chega com a proposta inovadora de utilizar o multinível como canal global de vendas de soluções de marketing online e mobile”. E, para atestar a legalidade do negócio, exibe os documentos a confirmar que “tem a sua sede administrativa em Portugal, na Ilha da Madeira e sua sede fiscal em Dubai” e “está devidamente registada”.

A própria empresa informa como devem agir os interessados para obterem ganhos: “Arranjar duas pessoas, por cada pessoa recebes 50 euros e, completando essa linha das duas pessoas, ganharás 250 (total 350). Depois, cada dia 8 de cada mês recebes 750, dos quais 99 ficam para a Wings. Por isso, são 651 euros que ganhas sem fazer mais nada. Claro que quanto mais pessoas tiveres em baixo mais recebes. Por exemplo, se a tua irmã/irmão ou um amigo, por exemplo, entrar, das duas pessoas que meterem tu recebes 250 da linha que ficar completa (binário), e assim sucessivamente." Mais: “A finalidade é progredir na rede ajudando uns aos outros”, diz a Wings, que se declara “uma empresa que chega com a proposta inovadora de utilizar o multinível como canal global de vendas”.

Neste momento, “empresas deste tipo proliferam como cogumelos”, revela ao PÚBLICO o investidor madeirense António Silva. Wings Network, Libertagia, Wenyard, Get Easy e Dollars Flow System são alguns dos nomes de empresas de marketing multinível que, na sua opinião,

“são fachadas para esquemas semelhantes ao da Telexfree".

Lucros de angariar familiares

António Silva confessa que, “após muita resistência”, entrou na Telexfree em Novembro de 2013. “Estava ciente que se tratava de um 'negócio' menos claro e pouco sustentável. Sabia que a qualquer altura poderia perder o dinheiro investido. Com os 1050 euros investidos consegui, até início de Março, recuperar o dinheiro investido e ainda lucrar cerca de 600 euros”, conta. Para além dos ganhos das rendas semanais, Silva teve “ganhos por prémios de entrada de alguns familiares que pediram para ajudá-los na realização dos anúncios, pois, como me diziam, não percebiam nada de computadores".

Entretanto, a Telexfree anunciou que a partir de 9 de Março iria mudar o plano de compensações. “Esse novo plano só previa remunerações a quem angariasse pessoas para a sua rede, o que não acontecia no plano anterior. Como não tenho perfil para andar a angariar pessoas para um negócio que eu achava pouco claro e que acarretava o risco de perder o dinheiro investido, abri a 5 de Março mais uma conta para manter as regras antigas", acrescenta. "Para abrir a nova conta, reinvesti os 600 euros de ganhos da primeira conta e juntei mais 450 euros. Após a reestruturação dos planos, a Telexfree nunca mais foi a mesma. Já não havia liquidez e para levantar o dinheiro já tínhamos que usar uma eWallet para depois transferir o dinheiro para a conta bancária, num processo cada vez mais dificultado.”

No final de contas, Silva perdeu 450 euros. No entanto, lamenta, “há quem tenha perdido muito mais". E explica: "Uns porque, traídos pela ganância do lucrativo negócio fácil, deixaram os respectivos postos de trabalho, outros porque ficaram numa situação financeira ainda pior, agora sobrecarregados com os encargos dos empréstimos bancários contraídos para investirem na Telexfree".

Actividade fraudulenta nos Estados Unidos

A machadada fatal foi dada no dia 14 de Abril por um tribunal dos Estados Unidos que bloqueou toda a actividade da empresa acusando-a de fraude

.

Um relatório do estado de Massachusetts, então divulgado, confirma que a Telexfree é uma pirâmide financeira que arrecadou cerca de 1,2 mil milhões de dólares em todo o mundo. No documento, as autoridades pedem o fim das actividades da empresa, a devolução dos lucros e o ressarcimento das perdas causadas a investidores, chamados divulgadores.

Depois desta decisão, António Silva diz não ter quaisquer esperanças de que a situação volte a normalizar. “Os Estados Unidos não brincam. Li o parecer da comissão especializada da fiscalização entregue ao tribunal e lá está tudo bem claro: trata-se de uma pirâmide financeira.”

“Pena é que no nosso país não exista nenhuma entidade fiscalizadora que proteja as pessoas de situações semelhantes. Não por mim, porque já sabia o que era este esquema, mas para proteger algumas pessoas incautas que, para compensarem cortes injustos nos ordenados, acreditaram na lábia de muitos angariadores que pintavam a empresa como legítima e uma oportunidade a não perder”, lamenta Silva, criticando a inércia das autoridades de prevenção e fiscalização que não terão intervindo por alegada falta de queixas.

Esta notícia foi alvo de um direito de resposta, publicado a 29 de Agosto de 2014.

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