Só as crianças adoptadas são felizes

Apesar da evolução verificada, que importa registar, ainda continuamos com um elevado número de situações de crianças e adolescentes a viver em instituições, boa parte das quais sem projectos de vida viáveis apesar do empenho dos técnicos. Por múltiplas e variadas razões seria desejável que se conseguisse até ao limite do possível evitar a institucionalização e encontrar respostas alternativas para as crianças ou adolescentes já em instituições. Recordo um estudo realizado pela Universidade do Minho cujos resultados estabeleciam, sem surpresa, que as crianças institucionalizadas revelam mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores em contextos institucionais. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.

A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou promoção de outros dispositivos de acolhimento como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva das crianças e adolescentes.

Acontece ainda que se verifica uma enorme dificuldade na adopção de algumas crianças e adolescentes devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada, grupo etário no qual aumentou o número de situações de acolhimento institucional. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família. No entanto, existem famílias interessadas na adopção que esperam até cinco anos porque, de uma forma geral, preferem adoptar crianças abaixo dos três anos e porque o número de crianças nesta idade e em condições de adopção é menor.

Como é óbvio, num processo de adopção a qualidade e o interesse da criança não podem de forma alguma ser ameaçados, deve ser minimizado o risco de "devolução" ou "rejeição" das crianças envolvidas, situação altamente penalizadora para todos os envolvidos. Apesar desta preocupação, seria desejável a agilização dos processos de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade.

É também necessário, como tem sido defendido e existem algumas experiências em funcionamento, que se definam outras formas de acolhimento, mais "amigáveis" e mais familiares, por assim dizer, como alternativa à vida numa instituição.

Ainda neste universo, da importância dos contextos e das relações familiares na vida das crianças e adolescentes, mais algumas notas numa outra perspectiva que a experiência aconselha a considerar.

Na verdade e por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com crianças e adolescentes, a quantidade de crianças que vive "abandonada" e "rejeitada" dentro da sua família, algumas destas famílias com um funcionamento aparentemente "normal".

Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões, as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, o abrigo e o aconchego de uma família.

Quando penso nestas situações, lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.

Dizia Laborinho Lúcio que “só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.

Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.

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