Segurança Social só identificou 73 crianças em acolhimento que podem ter padrinhos civis

Há cerca de oito mil crianças a viver em instituições mas mais de metade já têm entre 12 e 20 anos.

Foto
Direcção-Geral de Saúde diz que "risco de tuberculose para as crianças, em Portugal, é baixo" Miguel Manso

Isabel, que prefere não ser identificada, já tem um filho de 10 anos, por isso sente que já cumpriu o seu desejo de maternidade, para ela a adopção não é uma opção. Isabel diz que o apadrinhamento civil, hipótese jurídica que existe há cerca de cinco anos, oferece a vantagem de estas crianças ou jovens “poderem preservar as suas raízes, os seus nomes, os seus apelidos, saberem de onde vieram”. “E saberem que os pais não tiveram capacidade para os educar, mas não foi por não gostarem deles.”

O que a move é sobretudo um sentimento de solidariedade. Quer apadrinhar uma criança em acolhimento e convive bem com aquele que é talvez o maior desafio do apadrinhamento civil, “a manutenção das relações com as famílias biológicas que muitas vezes são problemáticas”. Os pais biológicos podem manter direitos de visita e, por norma, devem ser informados pelos padrinhos civis do percurso dos filhos.

Isabel decidiu avançar para o apadrinhamento civil em Fevereiro de 2014 na Segurança Social de Coimbra, quando conheceu uma menina de quatro anos que sabia que ia para uma instituição. Isabel convivia com a família onde a menor estava temporariamente colocada, juntamente com a sua irmã adolescente, e sabia que não podia ficar com as duas. Isabel ofereceu-se, assim, para criar a mais nova na qualidade de madrinha civil, e, como as duas famílias viviam próximas, a mais nova podia manter a relação com a irmã mais velha.

Isabel, que é de Leiria, diz que a Segurança Social lhe colocou vários obstáculos. E que a menina acabou por, aos 4 anos, ir parar uma instituição, “quando podia ter ficado [consigo]”. O que vale é que um ano depois a família onde ela tinha estado decidiu ir buscá-la e Isabel desistiu de a apadrinhar. “Este caso acabou bem”, mas na sua opinião “o primeiro entrave ao apadrinhamento é a Segurança Social”. “Estão formatados para trabalhar as competências dos pais ou para a institucionalização.”

Já Inês Luís e o marido são pais de uma menina de 7 anos, não têm problemas em conceber filhos, mas pensaram: “Se há tantas crianças sem família, não precisamos de fazer um filho.” Dizem ter iniciado o processo de apadrinhamento civil na Segurança Social de Setúbal em Outubro de 2013, foram avaliados e ficaram habilitados como padrinhos civis em Abril do ano passado. Desde então Inês Luís afirma que sempre lhes disseram que não havia crianças com o perfil que pediam e que as hipóteses eram muito baixas. Bem sabe que ela e o marido queriam uma criança até aos sete anos — “mas somos flexíveis, tudo depende do caso” — “sem problemas de saúde graves, sem critério de sexo nem raça definidos”. “Tem de haver pelo menos uma criança com 7 anos no país que não possa ser adoptada”, reclama Inês Luís, que é jurista e vive em Almada. A Segurança Social diz que não comenta nenhum destes dois casos por questões de privacidade e de protecção dos menores.

De acordo com o último Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (com dados de 2013), a grande maioria dos 8445 adolescentes e jovens em acolhimento (só 374 estão em famílias de acolhimento) têm entre 12 e 20 anos — 67,4% do total. Segue-se o grupo de crianças com idades até aos 11 anos — 32,6%. Os mais novos, até aos 5 anos são 13,1% e dos 6 aos 9 são 19,6% do total.

O Instituto da Segurança Social respondeu ao PÚBLICO que nesse ano, das mais de oito mil crianças em acolhimento “foram identificadas 73 crianças e jovens que potencialmente poderão constar na bolsa de crianças e jovens a apadrinhar”. A maioria tem mais de 6 anos e “o denominador comum, até à data, é o facto de já terem uma relação prévia com os padrinhos”. Dos 73 casos identificados como podendo ser apadrinhados cerca de 63% encontram-se em acolhimento institucional ou familiar, cerca de 30% residem com os potenciais futuros padrinhos civis e cerca de 7% residem no seu meio natural de vida.

Houve 40 iniciativas de apadrinhamento civil, mas só 17 se concretizaram, sem se especificar porquê. A Segurança Social responde que não é verdade que o apadrinhamento civil seja o projecto de vida adequado a todas as crianças que não podem ser adoptadas. “A grande maioria têm como projecto de vida a sua autonomização, a reintegração na sua família de origem ou a adopção”, tendo em conta variáveis como a idade da criança, saúde, existência de irmãos, relacionamento com a família de origem, entre outros, lê-se na resposta enviada por email.

No ano de 2013, o universo de crianças e jovens para quem adopção era vista como uma possibilidade chegou a 1412, em 532 situações esse percurso já estava mesmo definido.

A Segurança Social responde que os seus técnicos estão habilitados a responder às solicitações de apadrinhamento civil e que foi criado um guia prático, o Manual dos Processos Chave do Apadrinhamento Civil, estando em preparação o reforço do plano de formação sobre as potencialidades desta figura jurídica, bem como um folheto informativo com informações para o público em geral.

A Unidade de Adopção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que gere esta valência apenas no território da cidade de Lisboa, veio dizer em Fevereiro  que há falta de candidatos ao apadrinhamento civil e organizou uma sessão de divulgação para tentar ter mais padrinhos. A Santa Casa de Lisboa tem uma linha directa através do número de telefone 213 235 133 e o email serviço.adopcao@scml.pt.

Guilherme de Oliveira, mentor da lei do apadrinhamento civil, já veio dizer diz que “é preciso fazer o marketing deste instituto”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários