Mesmo aqueles que defendem a legalidade da requisição civil de docentes no dia de greve marcada para o arranque dos exames nacionais consideram que a sua eficácia seria nula, tendo em conta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que determina que aquela só pode ser decretada “depois de avaliada a dimensão da paralisação e se houver incumprimento dos serviços mínimos”.
“Que Governo arriscaria deixar 77 mil alunos à porta da sala, durante horas, à espera que existissem condições para a realização do exame? Nenhum”, comenta Luís Gonçalves da Silva, professor da Universidade de Lisboa.
Entre os especialistas em Direito do Trabalho não há unanimidade. Pelo contrário, pode mesmo dizer-se. Um exemplo: Garcia Pereira, advogado, defende que a requisição civil dos professores, no dia 17, “seria manifestamente ilegal e, como tal, ofensiva dos direitos, liberdades e garantias dos professores”, pelo que aqueles teriam até “o direito à resistência”, nos termos do artigo 21.º da Constituição da República. Luís Gonçalves da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, considera que a posição daquele advogado, que é assumidamente de esquerda, “não faz qualquer sentido”, e defende que a requisição civil dos professores é possível, desde que antes sejam fixados os serviços mínimos e se verifique, no decorrer da greve, que aqueles não estão a ser assegurados.
Ainda assim, ambos estão de acordo num aspecto. Se de forma legal (na perspectiva de Luís Gonçalves da Silva) ou ilegal (segundo Garcia Pereira) o Governo optasse por esta solução, que o ministro da Educação não rejeitou, os alunos teriam sempre de esperar, no mínimo, horas, pelo início do exame de Português, marcado para as 9h30 do dia 17.
“Dado o número de professores e alunos envolvidos, a dispersão das escolas, o tempo despendido nas notificações e nas deslocações e a necessidade de todos começarem a fazer a prova ao mesmo tempo, na prática a aplicação da requisição civil seria muitíssimo difícil, se não impossível”, afirma o professor da Universidade de Lisboa.
Directores dizem que seria “o caos”
Os dirigentes das duas associações de dirigentes escolares, Manuel Pereira e Filinto Lima, concordam. Falam em “caos” e referem a perturbação que a situação provocaria nos estudantes, mas também os riscos de quebra do sigilo em relação ao conteúdo das provas, se por alguma descoordenação os envelopes que as contêm não fossem abertos ao mesmo tempo em todo o país.
Assumindo que a requisição civil só poderá ser feita no dia das provas (tendo em conta a posição do Supremo Tribunal Administrativo) e também que os horários das provas se mantinham, só às 9h00, 30 minutos antes do início do exame, seria possível constatar se estavam presentes em cada escola os elementos suficientes para cumprir os serviços mínimos. Caso tal não acontecesse, o Conselho de Ministros teria de analisar a situação e determinar a necessidade da requisição civil. Só depois os ministros interessados redigiriam a portaria indicando quem seria requisitado e em que moldes, após o que teriam de a publicitar (o que poderia ser feito através de conferência de imprensa) e de notificar as escolas, que, por sua vez, chamariam os professores escolhidos, enumeraram os dois especialistas.
“Ainda que estivesse tudo preparadíssimo, o atraso seria sempre muito considerável”, afirma Garcia Pereira, ressalvando que só admite a possibilidade da requisição civil por este ser “um governo que apresenta ilegalidades e inconstitucionalidades como actos consumados”.
Serviços mínimos também dividem especialistas
Garcia Pereira e Gonçalves da Silva concordam que, para passar à requisição civil, será sempre necessário que antes sejam decretados serviços mínimos. A divergência está na interpretação das leis. Naquela que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (59/2008) define-se que em caso de incumprimento dos serviços mínimos “o Governo pode determinar a requisição ou mobilização, nos termos previstos em legislação especial”.
Garcia Pereira, que é acompanhado por outros juristas, defende que essa legislação, que data de 1974, é taxativa e não coloca os serviços de Educação entre aqueles que podem ser abrangidos pela requisição civil (entre os quais estão os de transportes e da saúde, por exemplo). Gonçalves da Silva contrapõe que o legislador da Lei 59/2008 quis, com aquela formulação, incluir todos os serviços sobre os quais fosse possível fixar serviços mínimos, pelo que o sector da Educação se pode considerar abrangido.
Neste momento, a fixação de serviços mínimos está entregue a um colégio arbitral. Gonçalves da Silva diz não possuir elementos suficientes para afirmar se a greve é susceptível de impedir a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, como exige a lei. Garcia Pereira defende que, a partir do momento em que “existe uma segunda fase de exames, o máximo que se pode considerar é que a greve causaria transtornos, o que na sua perspectiva não justifica serviços mínimos.
Quando da última greve aos exames convocada pelos sindicatos, a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, definiu como serviços mínimos a presença de dois professores em casa sala onde se realizassem provas e a constituição de um secretariado de exames, também integrado por docentes. A maior parte dos professores destacados acataram as instruções e apenas duas centenas de alunos não conseguiram realizar os exames nas datas previstas devido à greve.