Relatório que diagnosticou presença de amianto na Direcção-Geral de Energia diz que “risco é ínfimo”
Casos de cancro preocupam funcionários que trabalham em edifício. Secretário de Estado da Energia diz que vão mudar para outro edifício no espaço de três meses não por haver perigo para a saúde mas por “questões emocionais e motivacionais”.
Quase 70 funcionários da Direcção-Geral de Energia e Geologia pediram a mudança urgente do edifício onde trabalham na Avenida 5 de Outubro, no centro da capital.
Segundo a TSF, a carta assinada por 66 trabalhadores, de final de 2013, revela a preocupação com uma “prevalência significativa” de funcionários (19) que adoeceram com cancro. Destes, nove já morreram e outros têm problemas “respiratórios, perturbações gástricas e enxaquecas”.Segundo a TSF, a carta dos funcionários assinala o caso de um trabalhador que morreu em 2012 com um cancro “fulminante” nos pulmões. A família deste funcionário enviou todos os exames realizados para uma clínica na Alemanha, onde os médicos afirmaram que a causa da doença terá sido a “exposição prolongada a ambiente com amianto”.
O amianto era um material muito utilizado na construção civil no século XX, nomeadamente em coberturas, tectos falsos, tubagens ou pavimentos, pela sua resistência ao calor, som, electricidade e produtos químicos. Está classificado como cancerígeno e está proibido o seu uso.
Recomendada substituição das divisórias
Artur Trindade disse ao PÚBLICO que pediu em 2012 um relatório técnico para tentar perceber se havia razão para alarme. No relatório da empresa Amiacon-Consultores em Amianto lê-se que em 14 amostras recolhidas apenas três acusaram a presença da substância, “nas paredes divisórias em microcimento e na tela asfáltica da cobertura”, esta última com uma percentagem inferior a 1%. O objectivo era avaliar se era urgente a remoção de materiais contendo esta substância, explica.
O documento concluiu que “deverá ser equacionada a substituição das divisórias, uma vez que está presente em grande parte dos pisos, notando que na poeira não foram detectadas “vestígios de fibras de amianto”. Quanto à tela asfáltica “não se pode considerar qualquer contaminação do edifício, sendo o risco mínimo para os utilizadores”, dizendo-se que não é necessária à sua remoção.
“Eu pedi o relatório para poder ter provas concretas, a prova não apareceu. O risco é mínimo”. “Se houvesse risco iminente para as pessoas aplicavam-se procedimentos de emergência”.
Mesmo assim, em vez de substituir as divisórias, Artur Trindade diz que, “por uma questão emocional e motivacional”, decidiu que era importante mudar de instalações. Mas, não apontado o relatório técnico urgência por motivos de saúde, os procedimentos no Estado para mudança de instalações “obrigam a etapas processuais”, nota. Primeiro foi preciso pedir à Estamo, a empresa que gere os edifícios públicos, se havia no sector publico um imóvel para onde se pudessem mudar, explica. Só com a resposta negativa, puderam procurar no mercado privado de arrendamento.
Artur Trindade desmente que não se tenham mudado por questões orçamentais, até porque o edifício para onde se vão implicará uma poupança de 10 mil euros em renda. Deverá ocorrer nos próximos dois a três meses e será nas proximidades do local onde estão instalados desde 1991. Desde então passaram pelo edifício cerca de 250 pessoas funcionários com diferentes períodos de permanência, diz.
O cancro que tem origem na exposição a fibras de amianto “está perfeitamente identificado”, refere a pneumologista Paula Alves Figueiredo, “Não há forma de confundir com outro tipo de cancro”: “tem origem na pleura [a membrana que envolve o pulmão] e chama-se mesotelioma pleural, podendo depois invadir o pulmão”, refere a médica que é membro da comissão de trabalho de oncologia da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. Desconhece-se se foi deste tipo de cancro que padeceram os 19 funcionários da Direcção-Geral de Energia.
Cancro demora 20 a 40 anos a manifestar-se
“Muitos doentes não chegam a tempo da cirurgia e, mesmo operados, a sobrevida média é baixa, é de meses”. Quando se trata de exposição a fibras de amianto presente em revestimentos, como sejam paredes, “o que está descrito é que é preciso uma exposição prolongada, com um tempo de latência de 20 a 40 anos”.
No caso de exposições mais directas, como é o caso de trabalhadores envolvidos nas demolições de edifícios onde haja amianto, a doença demora menos tempo a manifestar-se, explica.
“A destruição é um risco enorme”. No passado, a exposição acontecia também junto de profissionais como electricistas, porque havia amianto nos revestimentos eléctricos, ou nos mineiros. Como o período de latência é tão grande “continua a haver casos novos”. O uso de amianto está proibido, já se destruíram muitos edifícios, “mas há ainda muitos sítios onde não se sabe que existe amianto”, alerta.
Falta levantamento de edifícios com amianto
Há alguns anos que o Governo procura um quadro do risco do amianto nos edifícios públicos. Em 2009, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, que gere o património imobiliário do Estado, pediu a todos os ministérios listas de edifícios que potencialmente poderiam ter amianto na sua construção. Nove dos 14 ministérios então existentes nessa altura – no segundo Governo de José Sócrates –, mais a Presidência do Conselho de Ministros, enviaram informação, mais ou menos detalhada.
Ironicamente, um dos ministérios faltosos foi o do Ambiente, sobre o qual não há qualquer informação no processo existente na DGTF. O PÚBLICO questionou o ministério sobre se entretanto foi feito algum levantamento mas não obteve resposta.