“Quando o avião aterrou em Portugal, senti alívio”
Jovens universitários sírios chegaram neste sábado de madrugada a Lisboa e foram, depois de um pequeno-almoço com Jorge Sampaio, para várias cidades do país para continuarem estudos superiores “em paz”
Ao todo, 42 jovens aterraram na madrugada de sábado em Lisboa para continuar os estudos superiores em Portugal. Por causa da guerra civil na Síria muitos foram forçados a interromper os estudos. Chegaram a Portugal ao abrigo de um programa da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes, que foi lançado pelo ex-Presidente da República Jorge Sampaio e junta vários parceiros e apoios, nacionais e internacionais. Tem parcerias com a Liga dos Estados Árabes, o Conselho Europeu, a União para o Mediterrâneo, o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados e o Instituto para a Educação Internacional dos Estados Unidos.
Os estudantes vieram de Beirute numa aeronave militar C-130 da Força Aérea, que chegou às 4h30 a Lisboa. Apesar de ter havido 2500 candidaturas, foi preciso fazer uma selecção e este é o primeiro grupo de um total de 80 estudantes sírios aos quais a plataforma pretende atribuir bolsas de estudo de um ano – ao fim do qual haverá uma avaliação dos resultados de cada aluno e dos fundos que a plataforma conseguiu angariar para prolongar a bolsa. Para já, por causa dos vistos, passaportes, burocracias e também de desistências de última hora só vieram 42. O objectivo é trazer os restantes, mas ainda não há data certa para isso.
Jorge Sampaio esteve no pequeno-almoço oferecido esta manhã aos jovens na cantina da Universidade de Lisboa, antes de partirem para várias cidades portuguesas: Braga, Porto, Coimbra, Aveiro, Leiria, Lisboa, Évora, Bragança, e Covilhã. O ex-presidente da República sublinha que estes jovens vêm “de uma situação dramática de guerra, com universidades e politécnicos paralisados” e que o programa que lhes permite continuar os estudos em Portugal é “uma oportunidade que lhes pode ser muito útil”.
No refeitório o presidente da Comunidade Islâmica em Portugal, Abdool Vakil, desdobrava-se em telefonemas. Apesar de alguns jovens serem cristãos, estava a contactar pessoas de “vários sítios onde há núcleos de muçulmanos” para lhes pedir que acolham os alunos: “Queremos que se sintam em casa”, dizia. Para estes estudantes, que “têm passado um martírio, Portugal surge como “uma ilha de paz”.
Já com um diploma em Economia e Gestão, Heba Isamaeil vai fazer agora um mestrado em Negócios e Gestão na Universidade Lusófona. Afirma-se entusiasmada por ter sido colocada em Lisboa: “Sinto-me com muita sorte, vou estar na capital, é mais internacional”.
A vida pela frente
Conta que em Damasco sobram “poucas esperanças”. O “inesperado”, as explosões, não deixam lugar para o quotidiano, para a normalidade: “Tens sempre medo e perguntas-te se vais voltar a casa hoje”. Os pais reformados ficaram: “Não querem sair, dizem que foi o país onde nasceram e querem morrer nele, mas deixaram-me vir, disseram-me que ainda tinha a vida pela frente, para aproveitar as oportunidades”. Quando o avião aterrou em Lisboa, sentiu alívio. “Todas as ideias que temos em mente sobre se vai correr tudo bem acabam e há apenas serenidade. Estou finalmente aqui e vou estudar, fazer um mestrado”, diz.
A maioria dos jovens vai ficar em residências universitárias, embora também haja alguns que vão para apartamentos, cedidos e mobiliados através de patrocínios particulares. Jorge Sampaio não tem dúvidas de que rapidamente conhecerão novos colegas: “As associações de estudantes estão prevenidas, os pró-reitores ou vice-reitores que se têm ocupado disto, bem como os reitores, estão perfeitamente prevenidos”. Ao início da manhã, também o antigo chefe de Estado respirava de alívio: “Fico muito contente por se ter fechado o primeiro capítulo de uma grande operação que demorou muitos meses a preparar. O primeiro capítulo é a chegada cá, agora o segundo é a adaptação”.
Hazem Hadla, 30 anos, que vai para Aveiro fazer um doutoramento em Engenheira Electrotécnica, diz que só quer paz para se poder focar nos estudos. O jovem de Homs tinha ido para estudar para o Egipto. “O último ano no Cairo foi horrível. Sem paz uma pessoa anda sempre ansiosa, sem saber o que fazer. O mais importante para mim é viver em paz e focar-me nos estudos”, faz notar. Da família, que continua na Síria, despediu-se por telefone: “Ficaram felizes por mim, pelo menos vou estar num sítio seguro e poder completar os estudos. Isto vai dar-me oportunidade de encontrar um trabalho melhor”, acredita.
Também Omar Mohamad Zaki, 24 anos, natural de Idilb, no norte da Síria, saiu do país depois de a guerra ter começado. Primeiro foi para a Turquia com a família, depois, sozinho, para a universidade no Cairo. Agora ruma a Coimbra, para continuar os estudos de Ciências da Computação. “Se a situação na Síria ficar melhor, quero voltar. Talvez daqui a muitos anos…”.
Sara Hummid, com 20 anos, também gostava de regressar à Síria para ajudar a reconstruir o país depois de acabar os estudos. Vivia nos subúrbios de Damasco e, apesar de ainda ter frequentando Farmácia durante ano e meio, acabou por ser obrigada a interromper os estudos. Agora, vai para uma cidade cujo nome ainda nem sabe pronunciar bem: “Covilã? Em português lê-se o h?”