PSP compra veículos aéreos não tripulados, motas de água e um barco

Ainda não há enquadramento legal para a sua utilização, mas a PSP já adquiriu dois drones em segredo. Comprou também meios para intervir em rios e no mar. Profissionais de polícia estão indignados

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Um vídeo posto no Youtube em Julho, antes da compra, mostra o objecto de um contrato classificado como secreto DR
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O contraste entre o segredo do contrato e a exibição do seu objecto perante o mundo inteiro é apenas uma das surpresas das actuais apostas da PSP em matéria de apetrechamento das suas unidades especiais. Mais recentemente, em Novembro, os comandos da polícia autorizaram também a compra de três motas de água de grande potência e de uma embarcação semi-rígida com capacidade para dez pessoas, além da tripulação, e dois motores de 150 cavalos. A aquisição de meios aquáticos com estas características é uma novidade na história da PSP, estando a actuação em meios aquáticos normalmente reservada à Polícia Marítima.

O custo global dos drones, das motas de água e da embarcação aproxima-se dos 300 mil euros.

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A compra dos veículos aéreos não tripulados foi feita por ajuste directo com a empresa portuguesa Tekever, por cerca de 200 mil euros. O recurso à figura do ajuste directo, sem consulta a outras empresas, é justificado com a cláusula do código dos contratos públicos que permite a sua utilização, independentemente do valor em causa, quando se trata de contratos declarados secretos e “cuja execução deva ser acompanhada de medidas especiais de segurança”.

Os drones adquiridos vêm equipados com duas câmaras para filmar e instrumentos de visualização remota, dispondo de autonomia de voo de duas horas — a um máximo de 150 metros de altitude —, de um alcance de 20 kms e de alta tecnologia de comunicações. Os aparelhos pesam cinco quilogramas, têm uma envergadura de 1,8 metros e são lançados manualmente, aterrando com o auxílio de um pára-quedas.

A decisão de comprar estes dispositivos, que a PSP considera necessários para apoiar a sua actuação em matéria de prevenção da criminalidade, foi tomada na sequência de um protocolo assinado entre a corporação e a Tekever, em Maio de 2012, com vista à exploração de meios aéreos não tripulados.

Quanto às motas de água Yamaha, Vx Cruiser, adquiridas também por ajuste directo à firma Motolusa, a polícia pretende utilizá-las no decurso da realização de grandes eventos, em operações como o isolamento de acessos e a segurança de instalações. Já a embarcação semi-rígida está destinada a operações especiais, tais como as relacionadas com a segurança de altas individualidades e, segundo a terminologia policial, a “segurança em subsolo”.

Espanto e indignação
Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, Paulo Rodrigues, mostrou-se surpreendido com a compra de meios aéreos e aquáticos. “É inadmissível que num momento em que o Estado deve milhares de euros a mais de três mil polícias, quando a PSP não tem viaturas indispensáveis, ou material de protecção do pessoal, esteja a investir desta forma em equipamentos que não são imprescindíveis.”

Paulo Rodrigues distingue, porém, o caso dos drones do dos equipamentos para missões aquáticas. Os drones, sustenta, “podem ser úteis em determinadas situações de ordem pública, como manifestações, ou grandes eventos desportivos”. A informação recolhida pelos aparelhos, acrescenta, permite “gerir o dispositivo policial” ao minuto, por forma a fazer face a todas as situações. Na opinião deste dirigente sindical, no entanto, não se tratando de meios imprescindíveis e vivendo a polícia a situação que vive, “comprar drones é como comprar um Ferrari e não ter onde dormir.”

Contrariamente ao caso dos meios aéreos, Paulo Rodrigues não encontra explicação para a aquisição de meios aquáticos. “Não vejo justificação nenhuma para comprar barcos e motas de água, até porque temos uma Polícia Marítima. Está-se a duplicar investimentos e a pisar as competências de outras polícias.”

O emprego de veículos aéreos para captação de imagens, e eventualmente de sons, seja pelas polícias, seja por empresas e particulares, não dispõe de qualquer espécie de enquadramento legal em Portugal. “A legislação existente sobre a utilização de câmaras fixas ou móveis não contempla esse tipo de situações”, afirma Clara Guerra, porta-voz da Comissão Nacional de Protecção de Dados. De acordo com a mesma fonte, tais meios só poderão ser utilizados “depois de haver legislação que o permita”. Em todo o caso, nem a PSP, nem qualquer outra entidade, pública ou privada, alguma vez suscitaram essa questão junto daquela comissão.

A empresa que vendeu os drones à PSP escusou-se a fornecer quaisquer dados sobre este contrato, alegando que quando estão em causa clientes da área militar ou das forças de segurança só estes podem fornecer informações. O presidente da Tekever, Pedro Sinogas, adiantou, contudo, que a empresa dispõe de uma “autorização do ministro da Defesa, publicada em Diário da República, para desenhar, produzir e comercializar” este equipamentos. O gestor não soube precisar a data de publicação do despacho governamental e o Ministério da Defesa não respondeu ao pedido de cópia de tal documento que lhe foi dirigido nesta terça-feira à tarde.

De acordo com Pedro Sinogas, a autorização em causa é necessária porque estes aparelhos “são classificados como armas”. A Tekever é uma das estrelas da tecnologia nacional, sendo frequentemente apontada como a responsável pelo único objecto voador não tripulado português concebido para missões de vigilância e a recolha de informação nas áreas da segurança e defesa.

O PÚBLICO dirigiu, na segunda-feira à tarde, um conjunto de perguntas sobre este tema à PSP e ao Ministério da Administração Interna, mas apesar de sucessivas indicações de que as respostas seriam dadas até ao fim da tarde de terça-feira, tal não tinha ainda sucedido. A PSP informou, às 19h, que tinha remetido as suas respostas para o ministério e que seria o gabinete de Miguel Macedo a encaminhá-las para o PÚBLICO.

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