Profissionais mais motivados nos novos centros de saúde mas com mais stress
As pessoas que trabalham nas unidades de saúde familiar dizem que aqui se deparam com uma melhor gestão dos recursos. Decisões são mais vezes tomadas em equipa.
Além disso, consideram que o modelo de gestão por objectivos tem sido desenvolvido tendo apenas em consideração indicadores quantitativos o que resulta numa perda do valor motivador dos indicadores. As conclusões fazem parte de uma investigação da Universidade do Minho sobre os cuidados de saúde primários, que comparou as percepções de profissionais de 40 unidades de saúde familiar (USF) e antigos centros de saúde.
O estudo, que começou a ser preparado há cinco anos e observou os profissionais em dois momentos – 2013 e 2014 – pretendeu avaliar “se as pessoas conseguiam manter os níveis de envolvimento com o seu trabalho nas USF a longo prazo e com que consequências". E isso, explica Ana Veloso, coordenadora do estudo e professora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, porque "uma das críticas feita a este tipo de gestão de pessoas, com pressão para atingir objectivos, é que com o cansaço se entre no extremo oposto”.
“O trabalho mostra que as USF fazem uma melhor gestão dos seus recursos", acrescentou ao PÚBLICO a investigadora. Essa é a percepção dos profissionais. Dizem que são ouvidas, as decisões são tomadas em conjunto e há reconhecimento da importância dos vários profissionais, enumera. "As pessoas sentem-se mais envolvidas e gostam de ter autonomia para decidir e introduzirem inovação nos processos. Os utentes sentem isso e estão satisfeitos”, diz ainda Ana Veloso. Para o estudo, foram também inquiridos perto de 400 utentes mas só de USF, pelo que nesta parte não é possível estabelecer paralelismos com os antigos centros de saúde.
No total, foram questionados perto de 650 profissionais, entre médicos, enfermeiros e secretários clínicos, todos de USF e centros de saúde do Porto e Braga. O estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e com o apoio da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar, comparou os resultados das USF com os dos antigos centros de saúde (agora denominados como unidades de cuidados de saúde personalizados, UCSP), mas também tentou perceber se as percepções eram diferentes entre os vários profissionais de saúde. A amostra é apenas do Norte do país, mas a coordenadora considera que os resultados são extensíveis a todo o país.
As primeiras USF foram criadas em 2006 no âmbito de uma reforma dos cuidados de saúde primários, inspirada no modelo do Reino Unido. De acordo com os dados da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar já existem mais de 400 no país. Contudo, o ritmo de abertura tem vindo a baixar, com os partidos da oposição a denunciarem neste mês no Parlamento que, em 2015, ainda só uma USF foi aberta. O Ministério da Saúde contrapõe que, sendo o processo voluntário, o menor número de candidaturas tem levado a menos aberturas de USF.
São os próprios profissionais que se candidatam a formar uma USF, ganhando com isso mais autonomia na forma de trabalhar. Para isso chegam a um acordo sobre indicadores a cumprir, que tenham como principal objectivo prestar serviços mais acessíveis e com objectivos personalizados aos utentes, aumentando a eficiência. Existem dois tipos de USF, as de modelo A e as de modelo B. De início todas abrem como modelo A e só depois de reunidas algumas condições podem transitar para o modelo B, que oferece ainda mais autonomia e aposta mais nos incentivos financeiros.
Progressão inexistente
Apesar de uma das principais mudanças estar nos incentivos, Ana Veloso assegura que a parte financeira não é a mais valorizada pelos profissionais, até porque muitos pagamentos desta parcela variável são feitos com atraso. Um dos sentimentos negativos prende-se, por isso, com a progressão na carreira “inexistente nas USF”, diz a psicóloga, adiantando que esse sentimento também é partilhado pelos profissionais das UCSP. “O mais interessante é que os secretários clínicos estão mais satisfeitos com a ideia de promoção do que os enfermeiros e do que os médicos, porque o próprio modelo das USF reconhece mais o trabalho que fazem”, salienta. As razões para o compromisso com o local de trabalho são maioritariamente “afectivas”, com as pessoas a valorizarem o facto de serem escolhidas para as USF.
Nos antigos centros de saúde, foram encontrados valores de stress mais baixos. Os níveis mais elevados foram registados nas USF do tipo B. Entre profissionais também foram notadas diferenças, com os valores mais altos de stress geral a registarem-se nos enfermeiros e os mais baixos nos médicos. No caso dos enfermeiros, o stress está mais associado a problemas de conjugação da actividade com a vida familiar. Os médicos do modelo A reportam mais excesso de trabalho. A investigadora acredita que o excesso de trabalho é menos referido no modelo B não porque tenha sido reduzido, mas porque as equipas já estão mais acostumadas.
Para Ana Veloso, o estudo permitiu perceber que as USF são um bom modelo de reforma, mas alerta que é preciso actualizar as regras para continuar a motivar os profissionais. “Este é um modelo de gestão por objectivos. Nas negociações, o Ministério da Saúde acredita que os objectivos não se mudam qualitativamente, mas sempre quantitativamente, o que é um erro. Quando chegamos a este nível de excelência e eficiência não conseguimos aumentar só a quantidade. Assim os objectivos estão a deixar de ser motivadores”, adverte, explicando que a crítica que os antigos centros de saúde fazem às USF é precisamente alguma “perversão” na forma de funcionamento por assentarem demasiado nos indicadores.