Professores divididos sobre o que deve ser um exame de Matemática
Um aluno que teve 10, 11 ou 12 valores em 20 ao fim de três anos de aulas de Matemática dificilmente obterá positiva no exame da disciplina, feito na quinta-feira, mas dentro das salas de aula tanto há professores que se indignam com isso como outros que consideram a selecção natural.
É um clássico. Quando a Associação de Professores de Matemática (APM) considera uma prova adequada, a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) critica o facilitismo; e quando esta última elogia um exame, raras são as vezes em que a APM não o julga difícil. Assim foi, mais uma vez. Esta quinta-feira, a prova foi elogiada pela SPM, que considerou o seu nível de dificuldade semelhante ao do ano passado, quando a média nacional das classificações foi de 8,2 valores. Já o vice-presidente da APM e autor do programa em vigor, Jaime Carvalho e Silva, julgou-a “completamente desadequada” e “altamente injusta”, na medida em que, disse, "vai cortar as pernas” aos alunos médios, que precisam de 9,5 valores para ingressarem nalguns cursos superiores.<_o3a_p>
Lurdes Figueiral, dirigente da associação de professores, tem uma explicação para este desfasamento: a sociedade científica “vê os exames apenas como um instrumento de selecção” enquanto a APM, contrapõe, “não esquece para além de poder ser uma prova de ingresso no ensino superior, o exame é obrigatório para quem quer concluir o secundário, pelo que deve avaliar a aprendizagem tendo como referência o programa da disciplina”.<_o3a_p>
As duas perspectivas parecem estar reflectidas no terreno, a avaliar pela apreciação dos exames feita por docentes contactados pelo PÚBLICO e escolhidos de acordo com o contexto socioeconómico em que se inserem as respectivas escolas. Isto, de acordo com os indicadores que serviram de base à Universidade Católica para estabelecer o valor esperado do contexto para a elaboração dos rankings do secundário: a taxa de alunos no escalão A da Acção Social Escolar e a média de anos de escolaridade dos pais.<_o3a_p>
Numa escola integrada num contexto de nível 3, o mais favorável segundo aqueles critérios, os docentes do grupo de Matemática da Escola Secundária Gomes Ferreira, em Lisboa, seguem a linha de argumentação da SPM. Ali, explica Margarida Graça, o ensino “está muito voltado para a preparação para o exame e não para a conclusão da escolaridade obrigatória”. “Não desvalorizamos a aprendizagem, naturalmente, mas também não negligenciamos o treino cirúrgico para as provas nacionais, que implica insistir em exercícios do tipo dos que saíram no exame e com o mesmo nível de dificuldade”, explicou.
Na perspectiva daquela docente, mesmo um “aluno médio” – que define como alguém que “está atento, participa nas aulas e estuda diariamente em casa, com um ritmo adequado a quem está no ensino universitário, mas, apesar disso, não consegue ter um nível Bom" – não deixará de alcançar os 9,50. Já um estudante de 10, 11 valores – uma classificação em que entram a avaliação da assiduidade, do comportamento, do empenho e da participação, frisa – “talvez não consiga chegar àquele resultado num exame, que avalia os conhecimentos”, considera. "A questão", diz, é que, na sua perspectiva “tem de ser assim”. “A maior parte dos alunos que está em cursos científico-humanísticos tem como objectivo ingressar no superior e os exames servem para isso mesmo – para seleccionar os que estão preparados para os frequentar”.
Manuela Carvalho, que dá aulas na Secundária Infanta D. Maria, em Coimbra – outra escola com alunos com condições socioeconómicas elevadas e que também está nos lugares cimeiros do ranking – é da mesma opinião. “O exame era difícil como deve ser difícil um exame de Matemática. Frustrantes e injustas foram as provas de há alguns anos, em que não havia itens suficientemente complexos para distinguir um aluno bom de um muito bom e este de um excelente”, considerou. Gostou, até, “muito, mesmo, do exame”: “Era matemática pura – por vezes dura, é certo – mas sem rasteiras. Quem tiver positiva neste exame sabe matemática, com toda a certeza, e quem for muito bom destacar-se-á”, avalia.<_o3a_p>
Em escolas de contexto socioeconómico mais desfavorecido – em que uma grande percentagem dos alunos é beneficiária da acção social escolar e a generalidade dos pais tem bastante menos anos de escolaridade do que os estudantes – a opinião não é necessariamente diferente, como prova a apreciação de António Vieira, professor em Ponte da Barca. “Tenho uma turma de ciências e tecnologia que vai ter notas razoáveis ou boas e outra de ciências socio-económicas, com alunos de 10 e 11 valores, que, com certeza, terão muitas negativas, algumas muito baixas”, prevê.
António Vieira considera a seleção "natural". O que não considera justo é que os professores ou as escolas sejam avaliados pela diferença entre a nota de frequência que atribuem aos alunos e a que aqueles alcançam nos exames. “Na primeira são tidos em conta muitos factores”, pelo que é natural que as notas baixem nas provas. Essa diferença, precisamente, argumenta, faz com que os não conseguem os 9,5 no exame não entrem num curso superior "que não estão preparados para frequentar", "mas pode permitir-lhes", na medida em que a prova tem um peso de 30 por cento na nota final, "concluir o secundário".
“Mas, afinal, um exame é algo que serve para seleccionar, que é feito para as elites, ou destina-se aferir os conhecimentos que os alunos devem ter de acordo com o programa de Matemática e com as metas definidas pelo Ministério da Educação? É que este segundo objectivo não foi cumprido”, protesta Adelina Precatado, docente na Secundária Camões, situada em Lisboa, num contexto social semelhante à das secundárias Ferreira Gomes e D. Maria.<_o3a_p>
Adelina Precatado considera “inaceitável que um estudante médio, que de forma honesta aprendeu o que é considerado essencial e necessário, não tenha possibilidade de obter 9,5 valores, por o exame não conter itens acessíveis à generalidade dos alunos”. E ironiza que “se o objectivo é, como parece, afastar os estudantes de uma disciplina que tem uma importância decisiva para a sociedade, ele está a ser alcançado”. <_o3a_p>
Na secundária de Felgueiras, uma escola em que, tal como Ponte da Barca, o contexto socioeconómico é de nível 1, Agostinha Ribeiro, professora de matemática, é da mesma opinião. Considera que graças aos dois últimos exames do secundário, a disciplina “está a afirmar-se, de novo, como um castigo, um bicho papão”. Lamenta que assim seja e também a posição em que “os exames desadequados” colocam os professores. “Numa turma heterogénea (com estudantes fracos, médios, bons ou muito bons) o que deve fazer um professor, se o tempo destinado à disciplina e o número de alunos por turma, cerca de 30, não permite apostar no ensino individualizado? Abandonamos um dos grupos, que não concluirá o secundário, para beneficiar os muito bons, que vão competir com outros que beneficiam de melhores condições? ou fazemos ao contrário? É que a prova é igual para todo o país, mas o país não é todo igual, as escolas não são todas iguais e nem sequer os alunos da mesma turma são todos iguais”, alerta. <_o3a_p>
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Educação e Ciência 44% dos alunos que se inscreveram para prestar provas do secundário, ou seja, 88.400, não tencionam prosseguir estudos. Uma tendência que tem vindo a acentuar-se e que surpreendeu Margarida Graça. “Não vejo o que é que esses estudantes estão a fazer em cursos científico-humanísticos. Não tenho resposta, mas talvez devessem ter optado por outras vias, como a dos cursos profissionais, por exemplo”, reflectiu. <_o3a_p>