Principal arguido do Face Oculta alega que não bastariam “moedinhas” para dirigentes e políticos
Manuel Godinho, condenado a 17 anos e seis meses, recorreu da pena e exige ser absolvido. Os juízes consideraram que corrompeu através de oferendas. O empresário sustenta que dar prendas pelo Natal não é crime.
O empresário de Ovar recorre para isso a uma analogia com um arrumador de carros. “Parece bem compreensível a todos que a consideração social, comercial, empresarial, profissional ou outra determina, só por si que o arrumar seja brindado com uma moedinha e uma pessoa de estatuto social, profissional elevado não possa ser presenteado com a mesma moedinha”, refere.
As prendas eram, diz, só uma questão de “consideração” instituída no “meio empresarial português” que não está associada “a solicitações corruptivas”.
O empresário condenado por 49 crimes de associação criminosa, corrupção activa, tráfico de influências, burla qualificada, perturbação de arrematação pública e furto qualificado, ataca assim uma das provas principais. “Não existe nenhuma coerência entre as prendas e os actos descritos no processo”, insiste requerendo a absolvição ou no máximo uma pena suspensa de oito anos de prisão.
No centro do que o tribunal entendeu ser o meticuloso plano de Godinho está uma lista de prendas natalícias a dirigentes de empresas públicas e políticos. Estes eram classificados de A a G, de acordo com a importância daquilo que revelavam conseguir influenciar a favor do empresário. Na avaliação, eram tidas em conta as mais-valias que significam nas decisões para garantir a vitória em concursos públicos e adjudicações, assim como o acesso a informação privilegiada.
Armando Vara, condenado a cinco anos de prisão efectiva por tráfico de influências era figura de topo na lista. Recebeu nos sucessivos natais um estojo com um “decantador Herdade de Prata” (685 euros), uma caneta Dupont (260 euros) um relógio avaliado em mais de 2500 euros, outro superior a 3700 euros e uma caneta Mont Blanc. Recebeu ainda um telefone especial oferecido por Godinho só utilizado para com ele falar sobre negócios.
Godinho aponta ainda outra “efabulação” aos juízes que o condenaram. Quando em Setembro de 2008, ofereceu 20 euros a um vigilante da REN, garante que não o estava a subornar para não denunciar a manipulação de talões de pesagem das cargas dos camiões. Era apenas uma “gorjeta” para que “desfrutasse do almoço”. O segurança, porém, denunciou a situação ao responsável pela gestão de contratos da REN. Aliás, sobre a alteração da facturação, Godinho diz que não basta dizer-se que houve prejuízo para as empresas, é necessário sustentar os números desse prejuízo.
E quanto ao facto de ter contratado a mulher de um guarda da GNR para que os seus camiões escapassem à fiscalização, realça que “a mera informação sobre acções de fiscalização” não é crime.
De resto, refuta ter liderado uma associação criminosa, sublinha a falta de provas na condenação e alterações ilegais entre o que o Ministério Público apontava e o que o tribunal deu como provado.
O Tribunal de Aveiro só decidirá segunda-feira se volta ou não a repetir a leitura do acórdão, confirmou o juiz-presidente da comarca, Paulo Brandão. Tal terá repercussões nos prazos protelando recursos dos arguidos e a decisão final nas instâncias superiores.
Em causa está uma nulidade. A 5 de Setembro, 35 arguidos estiveram presentes e ouviram a decisão, excepto um. O tribunal esqueceu-se de notificar a empresa O2. A firma insolvente era justamente a principal do universo empresarial de Godinho.