Primeiro caso de burla ao SNS em tribunal suspenso para tentar acordo

Advogados de defesa vão tentar chegar a acordo com o Ministério Público. Arguidos terão de assumir os crimes e indemnizar o Estado. Procurador terá de consultar a sua hierarquia para aceitar entendimento.

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Caso que começou a ser julgado no Tribunal de Monsanto envolve uma burla de quatro milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde Sara Matos

A primeira sessão foi suspensa nesta tarde, depois de o procurador do Ministério Público ter considerado que era necessário mais tempo de negociação — que, a viabilizar-se, fará com que o caso se desenvolva de forma mais rápida, dispensando-se, por exemplo, as testemunhas.

O processo, que foi o primeiro do género a chegar a tribunal e que se realiza em Monsanto devido à sua grande dimensão, caminha agora para uma resolução que também é rara, já que no ordenamento jurídico português só foi utilizada duas vezes. O chamado acordo de sentença de pena tem de ser negociado entre os advogados e o Ministério Público e implica que os arguidos confessem os crimes de que estão acusados. Assim, se na próxima quarta-feira, às 9h30, for comunicado o sucesso das negociações ao colectivo presidido pela juíza Maria Joana Grácio, os arguidos terão de confessar os crimes e fica dispensada a restante produção de prova, passando-se para as alegações finais. O acórdão terá, depois, de homologar as penas e as indemnizações previstas.

Os arguidos são suspeitos de pertencerem a uma rede que, através de um esquema fraudulento de receitas, terá lesado o SNS no valor reclamado pelo Estado. Entre os 18 envolvidos estão seis médicos, dois farmacêuticos, sete delegados de informação médica, uma esteticista, um empresário brasileiro e um comerciante de pão. O médico Luiz Renato Basile é o único em prisão preventiva, nove estão com pulseira electrónica e os outros em liberdade.

O suposto esquema remonta a 2009 e foi desvendado numa investigação conhecida em 2012. Os médicos passavam receitas em nome de utentes do SNS, sem o seu consentimento, sempre de medicamentos com elevado valor e comparticipação, que ia dos 69% aos 100%. As farmácias que não faziam parte do esquema ficavam com a comparticipação, exportando os arguidos os fármacos para países como Angola, Alemanha, Irlanda e Espanha. Nas duas farmácias ligadas ao esquema, os medicamentos ou ficavam nas prateleiras ou eram exportados, recebendo ainda o estabelecimento a comparticipação que era redistribuída pelos envolvidos.

De manhã a sessão começou com a identificação dos arguidos e a juíza queria continuar o julgamento por ser “longo e de natureza urgente”, mas os advogados insistiram no acordo. A juíza considerou que a defesa já tinha tido tempo suficiente, mas o julgamento foi interrompido e retomado às 15h, na condição de que, “se o Ministério Público considerar que há propostas sérias e com viabilidade de consenso, o tribunal suspende a sessão e retoma na próxima semana — caso o senhor procurador diga peremptoriamente que as propostas são inaceitáveis, o julgamento vai continuar normalmente”.

À tarde, o Ministério Público comunicou que precisava de mais tempo e o colectivo suspendeu o julgamento. O advogado Dantas Rodrigues, que sugeriu o acordo colectivo e que representa a delegada de informação médica Cassilda Dias e o marido e comerciante de pão Carlos Anjos, disse que estão a “fazer um enorme esforço no sentido de chegar a um entendimento” e assegurou que os valores que estão a propor são “viáveis” para a proposta ser aceite. Porém, lembrou que o procurador terá de consultar a sua hierarquia para tomar uma decisão, reforçando que a solução é benéfica em “processos grandes”. O advogado mostrou-se confiante mas referiu, em declarações ao PÚBLICO, que uma semana pode ser “escassa” perante a “pressão do tribunal”.

Já Artur Marques, advogado de Daniel Ramos, um dos farmacêuticos arguidos, mostrou-se confiante com a “primeira aproximação à negociação” que fizeram. Também o advogado João Nabais, que representa o médico Emanuel Manuel, disse que contam com o apoio da procuradoria distrital de Lisboa do Ministério Público, até por ser “do interesse do Estado resolver o caso mais rápido”, já que estavam marcadas sessões até Julho. Nabais confirmou que em cima da mesa estão “valores económicos muito significativos”, mas que não chegam aos quatro milhões.

Além deste processo, há outros casos que estão a ser investigados por burlas ao SNS que rondarão os 230 milhões de euros.

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