Praias têm cada vez menos areia e a culpa é das barragens, diz especialista

Norte e Centro são as regiões cujas praias estão em maior risco de desaparecer. A este problema juntam-se as falhas no ordenamento do território, que permitem a construção desenfreada junto ao mar.

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Algumas praias podem mesmo desaparecer, alerta especialista João Gaspar/Arquivo

O fenómeno não é novo mas tem piorado com o aumento do número de barragens. “O rio Douro tem na sua bacia hidrográfica em Portugal e em Espanha mais de 50 barragens. Há 60 anos estima-se que a quantidade de areia transportada era na ordem dos dois milhões de toneladas por ano e agora, 60 anos depois, o caudal sólido está reduzido a 250 mil toneladas”, exemplifica Bordalo e Sá, em declarações à Lusa.

“Falta-nos areia vinda de terra para o mar”, continua. Só no Douro, as barragens tiram mais de 1,5 milhões de toneladas de areia por ano à costa. Isto acontece porque aquelas infra-estruturas “interrompem o caudal natural da água, mas também dos sedimentos”, explica. Por isso, “ao contrário do que tentam vender, a hidroelectricidade não é verde”, critica Bordalo e Sá.

O Governo reconhece o problema, embora não atribua as suas causas às barragens. A cerca de um mês da abertura da época balnear na maior parte das praias, o ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (MAMAOT) disse à Lusa que têm sido feitas recargas de areia nos locais mais “críticos”, antes das marés-vivas para evitar “potenciais prejuízos”.

O problema é que a atitude “menos proactiva e muito mais reactiva” que os sucessivos Governos têm tomado “não colhe resultados e as consequências podem ser dramáticas”, alerta Bordalo e Sá, que é investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Recarregar artificialmente as praias “é apenas uma solução transitória para manter durante essa época balnear a bandeira azul” e não resolve o problema porque o mar vai voltar a levar a areia, avisa. Na opinião do especialista, as barragens deviam fazer descargas de fundos. Porém, essa operação “pressupõe a perda de volumes consideráveis de águas e as empresas que exploram as barragens não estão dispostas a isso”, lamenta.

Praias podem desaparecer
Segundo as contas deste especialista, 60% da linha de costa do Norte do país está em risco por falta de areia. O mesmo se passa em 52% da costa na zona Centro. Bordalo e Sá alerta que algumas praias podem mesmo desaparecer. No Algarve e no Alentejo o problema é menor.

O MAMAOT confirma que as praias da zona Centro registam “uma elevada taxa de erosão”, agravada pelo Inverno rigoroso que passou. É o caso das praias da Maceda e Cortegaça no concelho de Ovar.

Bordalo e Sá tem números que reflectem essa erosão: a praia do Furadouro (Ovar) perde por ano nove metros de areal; a da Cortegaça perde três metros por ano e a da Costa Nova (Aveiro) perde anualmente oito metros de areal.

Também nas praias da Barra (Ílhavo), do Pedrogão (Leiria) e da Vieira (Marinha Grande), se registou "diminuição significativa da largura do areal colocando em perigo apoios de praia”, informa o ministério.

A sul da praia da Leirosa, concelho da Figueira da Foz, registou-se “erosão do cordão dunar numa extensão da ordem das dezenas de metros”. Em Esmoriz e na praia do Furadouro, concelho de Ovar, o mar galgou o areal, destruindo a calçada dos passeios marginais e acumulando areia nas vias públicas, acrescenta a tutela, numa resposta escrita enviada à Lusa.

Falhas no ordenamento
“O desafio consiste em minimizar a erosão, o máximo possível, através de uma gestão mais eficaz em termos de ordenamento territorial da orla costeira, promovendo demolições de construções que o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) contempla ou que sejam ilegais, protegendo e recuperando os sistemas dunares ainda existentes”, sublinha o Governo.

O ordenamento do território é outro “calcanhar de Aquiles” nas praias portuguesas, sublinha Bordalo e Sá, que defende a demolição das construções feitas em locais inapropriados junto à costa.

“É preciso ter a coragem de actuar de forma a proteger o bem comum, mesmo em detrimento do bem particular. Porque é tudo uma questão de tempo. Muitas das urbanizações construídas, se não forem demolidas para protecção da zona costeira, o mar vai encarregar-se de o fazer numa questão de anos”, afirma.

O tipo de construção a fazer deve ser “orientada em função dos ventos dominantes e não da vista” e deve ter-se em conta que a “continuada construção de grandes barragens se vai reflectir de uma forma mais aguda em termos da redução do caudal sólido e as nossas praias precisam desesperadamente de serem recarregadas”, salienta Bordalo e Sá.