Portugueses têm orgulho no país e vergonha do sistema político e económico
São grandes acontecimentos do passado, como o 25 de Abril e os Descobrimentos, que mais simbolizam a capacidade de união do povo. O Estado Novo também é mencionado no estudo sobre o que une os portugueses
É o retrato de um país dividido o que transparece do estudo de opinião “Percepções sobre a União dos Portugueses” que esta segunda-feira ao final da tarde é apresentado em Lisboa. Promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica e pela empresa Ipsos Apeme, o trabalho pretendeu perceber se os portugueses estão ou não unidos, o que os une e o que os consegue mobilizar. A opinião recolhida é tudo menos consensual: 44% dos inquiridos acreditam que há união entre os portugueses, 32% defendem que é “moderada”, mas quase um quarto sustenta que o laço não existe. São os mais instruídos que classificam os portugueses como mais unidos.
A percepção sobre os factores de união e os elementos que melhor definem a imagem de Portugal também variam acentuadamente. Os mais jovens e instruídos vêem a imagem de Portugal associada sobretudo a símbolos relacionados com o turismo (sol, praia e gastronomia), ao fado e à selecção nacional. Já os mais velhos, menos instruídos e com rendimentos mais baixos associam o país a elementos mais tradicionais, como a bandeira nacional e Fátima. No global, estes dois símbolos são justamente os mais mencionados pelos inquiridos (43 e 37%, respectivamente).
“Mas esta não é a trilogia clássica Fátima, fado e futebol. O fado é mais escolhido pelos mais jovens e mais instruídos, o que pode sugerir uma reapropriação dos elementos identitários”, sublinha Verónica Policarpo, uma das autoras do estudo. “Os mais jovens não se revêem tanto nos elementos mais tradicionais”, corrobora a outra autora, Josefa Ramalho.
A solidariedade, os laços familiares e a língua são as características que mais contribuem para unir os cidadãos. O orgulho em ser português também pesa nesta equação, tal como o desporto, mas a existência de “líderes reconhecidos” praticamente não é referida pelos inquiridos (só 2% a mencionam).
Medido o orgulho em ser português, percebe-se que o sentimento é elevado (60% dizem-se muito orgulhosos e 26% “algo orgulhosos”), mas ainda assim “cauteloso”. “O orgulho é cauteloso porque não é transversal a todos os nossos feitos”, explica Josefa Ramalho. Há muito orgulho nos feitos da história, do desporto, das artes e da ciência, mas “embaraço e vergonha no sistema económico e político actual”, nomeadamente no modo como funciona a democracia, destacam as autoras.
Apesar desta descrença no sistema político-económico, continua a ser muito forte o sentimento de ligação dos portugueses ao país: 84% dos inquiridos dizem-se ligados ou muito ligados a Portugal. Para as autoras do estudo, esta ligação é mesmo “o que mais une os portugueses”. Nos acontecimentos históricos identificados como eventos que simbolizam a união e são elementos de memória colectiva, além do 25 de Abril de 1974 e dos Descobrimentos, o Estado Novo também é referido e por metade dos inquiridos.
Mobilização mais em causas pontuais do que estruturais
Na capacidade de mobilização também não há consenso. Mais de metade dos inquiridos consideram que os portugueses se envolvem em causas de interesse comum, mas 18% defendem que não e 28% pensam que os cidadãos apenas se mobilizam de forma “moderada”.
A mobilização tende, aliás, a concretizar-se mais em causas pontuais, eventos que traduzem a capacidade de organização colectiva (como os jogos da selecção nacional, o Euro 2004, a libertação de Timor-Leste, em 1999), do que em causas estruturais, como o combate à pobreza, a melhoria do sistema de saúde e do funcionamento da justiça.
Quando questionados sobre o que seria necessário fazer para se conseguir um maior envolvimento dos portugueses, os inquiridos apontam para a “maior transparência política” (48%), a “maior igualdade de direitos” (36%) e a “maior justiça na distribuição dos impostos” (32%). É residual a percentagem daqueles que acreditam que a maior divulgação de símbolos nacionais pelo Estado poderia conduzir a uma mudança do panorama actual.
Se a geração mais nova e mais instruída acredita que a união se faz sobretudo em torno de factores ligados à cidadania (por exemplo, melhorando a transparência política ou atenuando as desigualdades económicas e sociais), os factores de união valorizados pelos menos jovens e menos instruídos remetem para necessidades básicas (combater a pobreza, melhorar o sistema de saúde).
O trabalho baseou-se num estudo qualitativo prévio (reuniões de grupo) e num inquérito a uma amostra representativa de 1142 indivíduos maiores de 18 anos e residentes no Continente.