Portugal foi “generoso” na integração dos imigrantes mas a crise económica abre riscos
Sem paralelo no caso português, um sinal de alerta que deve ser levado a sério pela intolerância que denota contra os imigrantes, “coincidências” que devem sobressaltar todos os cidadãos. Com matizes diferentes, estas são algumas das leituras retiradas do discurso do passado fim-de-semana de Angela Merkel, que decretou “o falhanço” do multiculturalismo na Alemanha, desafiando mesmo os imigrantes a aderirem ao sistema de valores que perfilha – “Nós sentimo-nos ligados aos valores cristãos. E aqueles que não são capazes de aceitar isto não têm lugar aqui.”
Qualificado, em 2009, como um país “generoso” nas políticas de integração de imigrantes pela Nações Unidas, Portugal compagina essa circunstância com o facto de ser também o quarto país com mais emigrantes da União Europeia. Os sinais que vêm da Europa assumem, assim, uma dupla pertinência e merecem reflexão. “Corremos o risco de virmos a reconhecer que houve fracassos no que toca às reais políticas de inclusão e reinserção social”, avisa Timóteo Macedo, presidente da Associação Solidariedade Imigrante, que conta com 20 mil associados de 90 nacionalidades distintas, para quem os avanços que se registaram nos últimos anos não são sufi cientes para garantir “um olhar igual e as mesmas oportunidades”.
Designadamente no acesso ao sistema de educação, à habitação condigna, aos serviços públicos de saúde, à participação cívica. “Não basta dizer que há um CNAI [Centro Nacional de Apoio ao Imigrante], que abriu uma loja do cidadão para imigrante”, acrescenta, alertando para os verdadeiros os biddonville das cinturas urbanas de Porto e Lisboa que, “de um momento para o outro, podem explodir”.
João Peixoto, coordenador científico do Observatório da Emigração, separa águas. Admite, com preocupação, que começa a ouvir-se na Europa “um discurso anti-imigração”, mas considera “impensável” ouvi-lo cá de qualquer responsável, à direita ou à esquerda, evidenciando mesmo a “base consensual” sobre a qual se têm construído as políticas de integração. Contextualizando o discurso da chanceler alemã (ver também pág. 14), Peixoto nota que se dirigiu a alguns imigrantes, àqueles em que a diferença cultural é mais acentuada (muçulmanos e turcos).
“Uma descontinuidade cultural” que não se verifica com a esmagadora maioria dos imigrantes no nosso país, onde, de resto, “as políticas são mais inclusivas”. E nem mesmo a crise e o aumento do desemprego lhe sugerem um ressurgimento de xenofobia. Ilustra-o com números: “Entre os portugueses, a taxa de desemprego é da ordem dos 11 por cento e entre os estrangeiros é de 17/18 por cento”.
É também com preocupação que Jorge Malheiro, investigador da Faculdade de Letras da UL, acompanha “os sintomas crescentes da rejeição do outro”, “um discurso muito conservador de preservação de valores contrário à tolerância”. Que atinge tanto os muçulmanos, vistos como “a grande ameaça”, como se viu na França de Sarkozy, como os cidadãos europeus. Recuando no tempo, lembra que isso já tocou nos emigrantes portugueses na última década – em Inglaterra e, nos últimos tempos, em Espanha, com os seus quatro milhões de desempregados.
Alargando a análise, Malheiro vinca que Portugal privilegiou a interculturalidade em vez do multiculturalismo, que fez caminho na Holanda, nos países nórdicos e de que o Canadá é o exemplo maior. “O resultado é uma sociedade muito fragmentada. O multiculturalismo leva à quebra de coesão por motivos étnicos”, avalia. Ao contrário, sublinha, Portugal “procura incorporar uma lógica de interculturalidade, estabelecendo pontes entre grupos”.
Malheiro reconhece que subsistem casos de discriminação apesar da “lei ser generosa e avançada”. E não ilude riscos, “num momento de crise, em que o Estado tem de recuar no que gasta com as políticas sociais, corremos esse risco, mas não por razões de multiculturalismo”.
Discriminação subtilEm 2009, as Nações Unidas colocaram Portugal nos países da frente em termos de políticas de integração e inclusão de imigrantes. Mas da teoria à prática vai uma diferença. “A lei facilita a legalização e a atribuição de nacionalidade, mas os procedimentos são muito lentos, dificultando a regularização.
Se medirmos a nossa prática não é tão avançada”, admite o investigador Jorge Malheiro. Admitindo que “subsiste uma discriminação subtil, não declarada”, Malheiro releva o facto de o nosso país estar no grupo dos países com práticas mais positivas para os imigrantes.