Portugal é "placa giratória" de tráfico de armas ligeiras para África
Uma campanha liderada pela revista dos missionários combonianos "Além-Mar" e por outras instituições já reuniu a adesão de 95 mil portugueses, que subscreveram um abaixo-assinado, pedindo aos deputados portugueses "que legislem de forma a tornar mais transparente e menos letal o negócio das armas ligeiras".
A campanha, intitulada "Queremos desmascarar os comerciantes da morte", visa entregar dois abaixo-assinados - uma petição e um artigo da "Além-Mar" baseado num relatório do Serviço de Informação e Segurança (SIS), que confirma as suspeitas levantadas há meses pela revista missionária.
Os abaixo-assinados serão entregues amanhã ao presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral, pelas 11h30.
Os promotores da campanha são a Associação de Imprensa Missionária (Missão Press), Comissão Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, Antena Fé e Justiça (AEFJN), secção portuguesa da Amnistia Internacional (AI), Agência Ecclesia e Fundação Pro Dignitae.
É urgente que Portugal legisle sobre a matériaA petição, a que a Lusa teve acesso, salienta que em Portugal "é praticamente impossível conseguir-se números sobre o negócio do armamento, enquanto que noutros países é possível obter dados".
O documento refere que, "quando entre 1991 e 1992, Portugal partilhou com o Luxemburgo a presidência da União Europeia, sentiu-se a necessidade de regulamentar o negócio do armamento, tendo-se então elaborado o Código de Conduta da UE, que viria a ser ratificado em 1998".
"Paradoxalmente, enquanto é possível obter dados sobre quase todos os países, é praticamente impossível conseguir números sobre o caso português".
"Em Espanha, depois de uma campanha de três anos liderada pela secção espanhola da Amnistia Internacional, o Governo de Madrid passou a publicar semestralmente dados relativos ao negócio do armamento", realça a petição.
"O que se pretende é que seguindo o exemplo espanhol, o Parlamento português legisle sobre a matéria e permita que todos os cidadãos tenham acesso aos dados referentes ao negócio do armamento, até aqui processado em segredo e nas suas costas", denuncia o texto.
Segundo a petição, "um país como Portugal, que tem um passado em comum com uma parte dos países vítimas da guerra (...), não pode continuar a encobrir o negócio da morte e, por cálculo ou incúria, a dar guarida aos mercados da desgraça alheia".
O documento realça ainda que dos 49 conflitos regionais que ensanguentaram o mundo na década passada, 41 foram travados com armas ligeiras.
Mercado ilegal de armas está a aumentar em Portugal, afirma SISEntretanto, os organizadores da campanha juntaram um recente artigo da "Além-Mar", de Junho de 2002, feito com base num relatório do SIS. "Nesse relatório, o SIS confirma as suspeitas há meses levantadas pela revista 'Além-Mar': o tráfico de armas ligeiras para os países africanos serve-se de Portugal como placa giratória".
Ao longo da campanha lançada a 3 de Outubro de 2001 pelos mesmos signatários dos abaixo-assinados foi possível apurar, em Janeiro passado, que em Portugal existem 46 empresas autorizadas a dedicarem-se ao negócio de armas. Mais duas surgiram desde então, refere o artigo da revista dos missionários combonianos.
O mesmo salienta que após meses de contactos e pressões, foram divulgados também os relatórios sobre importações e exportações de armamento referentes aos últimos cinco anos.
Segundo o documento do SIS, citado pela "Além-Mar", "o mercado ilegal de armas ligeiras, proveniente sobretudo de países do Leste europeu, dos Balcãs e do Sul da Europa, está igualmente a aumentar em território nacional".
A gravidade das afirmações do SIS já fez com que o relatório fosse analisado durante uma reunião da Comissão Parlamentar dos Direitos, Liberdades e Garantias.