Peso de trabalhadores com horários de 50 ou mais horas quase duplica

Só no Chile o aumento foi maior. Relatório da OCDE mede o bem-estar nos países, algo que passa pelo trabalho, o descanso, a satisfação com a vida ou a educação.

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Estudo diz que “melhorar o bem-estar das pessoas — e não apenas impulsionar o crescimento económico — deve ser um objectivo central para os decisores políticos” Rui Gaudêncio

“A percentagem de pessoas que, por rotina, trabalha 50 horas ou mais por semana aumentou em vários países da OCDE, mas caiu em vários outros, entre 2009 e 2013. Registaram-se aumentos de cerca de 1 ponto percentual no Reino Unido, na Irlanda e na República Eslovaca, e aumentos superiores a 4 pontos percentuais em Portugal e no Chile”, diz o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apresentado nesta terça-feira ao final da tarde, no México, durante o Fórum Mundial de Estatística.

“Por outro lado, no Brasil, República Checa, Israel, Áustria e Turquia houve um decréscimo da incidência de horários de trabalho muito longos de dois pontos percentuais”, prossegue.

Em 2013, 12,5% da população empregada dos países da OCDE tinha horários de 50 ou mais horas, mais 0,7 pontos percentuais do que em 2009. Em Portugal a percentagem da população na mesma situação passou de 5,2% para 9,6% — mais 4,4 pontos percentuais. Um aumento superior (6,9 pontos) só no Chile, entre os 30 da OCDE analisados.

Esta é a terceira edição do How’s Life, Measuring well-being, um estudo que parte do princípio de que “melhorar o bem-estar das pessoas — e não apenas impulsionar o crescimento económico — deve ser um objectivo central para os decisores políticos”.

São tidos em conta indicadores tão diferentes como o tempo para o descanso e o lazer, o trabalho, a participação política, os rendimentos, o acesso à educação e à habitação, ou a qualidade do ar. Mas também aspectos mais subjectivos, como as respostas que as pessoas dão quando se lhes pergunta coisas como “no geral, até que ponto você acha que as coisas que você faz em sua vida valem a pena?” ou “no geral, quão satisfeito está com a sua vida como um todo?”

Sobre este último tema, por exemplo, Portugal, como a Grécia e a Hungria, revelam níveis mais elevados de insatisfação. Numa escala de 0 a 10 as populações destes países dão um 6,2 à vida que levam, contra uma média de 7,3 na OCDE. Suécia, Canadá, Dinamarca, México, Finlândia e Suíça são aqueles onde os níveis de satisfação com a vida são mais elevados (8 valores).

Impacto da crise
A OCDE alerta logo no início: “Os países mais afectados pela crise (Grécia, Portugal, Itália e Espanha) sofreram as quebra mais graves em vários indicadores de bem-estar desde 2009.” Em Portugal, por exemplo, “o rendimento médio disponível das famílias baixou 8,9% entre 2009 e 2014 e encontra-se bem abaixo da média da OCDE” e “há um risco acima da média de ficar desempregado, sendo o desemprego de longa duração de 8,3%, bastante acima dos 2,6%” nos países da organização.

O relatório sublinha, contudo, que as consequências em Portugal não chegaram aos níveis da Grécia. “O declínio foi menos severo”, sublinha, ressalvando que só no indicador do peso dos “horário longos” se sai pior.

De resto, continua, países com um PIB per capita mais baixo tendem a ficar menos bem nesta avaliação sobre “como vai a vida”. Mas não todos da mesma forma: “Países com níveis muito semelhantes de recursos económicos podem ter diferentes níveis de desempenho nalguns indicadores. Isto significa que vários factores além do PIB podem moldar o bem-estar. E também sugere que há oportunidade para que países com níveis de desenvolvimento económicos semelhantes possam aprender uns com os outros algo sobre ‘o que funciona’.”

No balanço do que melhorou e piorou desde 2009, há aspectos positivos, e onde Portugal se sai bastante bem. Dois exemplos: a esperança de vida à nascença cresceu nove meses em média, na OCDE, e mais de um ano em Portugal; a percentagem de adultos com o ensino secundário aumentou três pontos percentuais na OCDE, mas em Portugal o aumento foi o maior de todos — 10 pontos. Com 40% da população portuguesa entre os 25 e 64 anos com este nível de ensino, em 2013, o país continua, ainda assim, bem abaixo dos 77% da OCDE, como se sublinha no documento.

Entre os aspectos negativos, o aumento da abstenção é um dos destacados. Lê-se: “A afluência às urnas diminuiu entre 2007 e 2014 em cerca de dois terços dos países da OCDE, com algumas das reduções mais significativas nos Estados Unidos, Japão, Grécia, Eslovénia, Itália, Portugal e Espanha.”

Pobreza infantil
Outra má noticia: “As taxas de pobreza infantil aumentaram em mais de dois terços dos países da OCDE.” Em Portugal a evolução apresentada é esta: 18,79% em 2007, 15,67% em 2009 e 16,9% em 2011. “Algumas crianças estão a ter um melhor início de vida do que outras”, em diferentes países, critica o relatório.

O tema da pobreza entre as crianças é, aliás, novo nesta edição do How’s Life, que lembra que 15,1% das crianças portuguesas vivem em agregados familiares onde pelo menos um dos pais está há muito tempo desempregado. É a segunda taxa mais elevada da OCDE.

Segundo um comunicado emitido ao fim do dia, durante a apresentação do relatório, o secretário-geral da organização, Angel Gurría, declarou: “As políticas não vão construir uma sociedade melhor se não levarem em conta as necessidades de todos os seus membros — particularmente dos mais jovens. A luta contra a desigualdade começa por assegurar que todos têm oportunidade para prosperar, especialmente a partir de uma idade precoce.”

Notícia actualizada às 20h36

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