Porquê?

Precisamos de um Parlamento que esteja interessado na verdade e na justiça e na vida real de tantas crianças e famílias.

As restrições no acesso à parentalidade são dos últimos redutos discriminatórios na legislação portuguesa em termos de género e de orientação sexual. É, pois, mais que tempo de nos responderem à mais simples das perguntas: porquê?

Porquê insistir em impedir que uma mulher qualquer mulher que não partilhe a sua vida com um homem possa escolher engravidar com ajuda clínica?

Porquê continuar a empurrar estas mulheres que têm o sonho da maternidade a irem concretizá-lo noutro país – criando obviamente uma barreira económica, entre outras, adicional?

Porquê impedir que casais de pessoas do mesmo sexo possam passar pelo mesmo processo de seleção que passam todas as famílias que são candidatas a acolher uma criança, adotando-a se essa for a melhor solução para essa criança?

O processo legislativo da coadoção, com todas as suas falhas e frustrações causadas, demonstrou à exaustão, mais uma vez, a certeza do consenso científico quanto às capacidades parentais de casais de pessoas do mesmo sexo: em todas as áreas, a investigação é particularmente clara. Daí que as ordens profissionais mais respeitadas do mundo e que têm acesso aos resultados publicados pelas várias universidades e centro de investigação, tenham posições oficiais que se resumem no seguinte: o fator mais importante na formação de uma criança em termos familiares é a relação entre as pessoas que constituem cada agregado, e não a sua composição específica. Ou seja, e resumindo, não é o formato, mas o respeito, a capacidade de cuidar e o amor que fazem uma boa família. As mais diversas instituições já mostraram que não sobra mesmo nenhum argumento que possa justificar a discriminação.

Mesmo assim, há um ano, a maioria no Parlamento disse-nos que éramos menos pessoas e que as nossas crianças mereciam menos segurança por isso. É difícil pensar em insulto pior. Sobra, portanto, uma só resposta aos nossos porquês: a desumanidade, contra evidências científicas e contra pessoas e famílias concretas.

Precisamos, pelo contrário, de um Parlamento que esteja interessado na verdade e na justiça e na vida real de tantas crianças e famílias. A alternativa será sempre a da irresponsabilidade, dos fantasmas, da violência do insulto.

As realidades vão sempre ser mais fortes do que o preconceito: as muitas crianças que já estão a ser criadas por casais do mesmo sexo em Portugal são uma das melhores fontes desta certeza. Como sabe qualquer mãe ou pai que o quis ser, a vocação parental não desaparece por decreto – e se há obstáculos, são para ser ultrapassados; porque, em última análise, é mesmo o amor que faz uma família e, sim, as famílias são mesmo uma parte determinante das pessoas que somos, das certezas que temos, da força com que lutamos.

É por isso que sabemos que é inevitável que, também em Portugal, a força dos preconceitos desapareça da lei e que, pelo contrário, a justiça e a igualdade venham a ter força de lei.

Esta semana haverá uma oportunidade de corrigir um erro histórico; se a vontade de discriminar prevalecer uma vez mais, envergonhará para a História os nomes de quem apoiar o preconceito. Mas é a certeza do que sentimos que nos faz saber que a igualdade vem aí em breve e que vem para ficar

Presidente da direção da Associação ILGA Portugal

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