Dispara o número de mulheres que asseguram o sustento do casal

Socióloga Sofia Aboim sublinha que a “surpreendente afirmação do modelo de ganha-pão feminino” não corresponde a uma mudança desejada pela sociedade e resulta de constrangimentos criados pela crise.

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Esta “é uma alteração drástica e muito rápida”, que “não resulta de uma mudança desejada, mas de constrangimentos vários criados pela crise”, analisou nesta quarta-feira a socióloga Sofia Aboim, em declarações ao PÚBLICO.

“A falência de sectores tradicionalmente ligados ao trabalho masculino, como a indústria e a construção civil”, é uma das explicações para o fenómeno identificadas por Sofia Aboim, que, num trabalho conjunto com a também socióloga Karin Wall, analisou alguns dos dados do Inquérito Social Europeu (ESS, European Social Survey) relativos a 2010, que amanhã são apresentados no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Sofia Aboim e Karin Wall debruçaram-se, em concreto, sobre a questão da divisão do trabalho pago e não pago e concluíram que a “surpreendente afirmação do modelo de ganha-pão feminino" é mais elevada em pessoas com baixos níveis de escolaridade (21%) e nos grupos de idade mais velhos, sobretudo entre os 51 e os 65 anos. O tradicional modelo do ganha-pão masculino, presente em 17,9% dos casais (com idades compreendidas os 18 e os 65 anos), não se alterou significativamente em relação a 2002 (17%).

Homens pouco trabalham em casa
Em declarações ao PÚBLICO, Sofia Aboim sublinhou que a brusca subida da percentagem de mulheres que se assumem como "ganha-pão" não tem correspondência na distribuição do trabalho doméstico. Quando as mulheres trabalham e os homens estão fora do mercado de trabalho, os homens continuam a fazer menos de cinco horas de trabalho doméstico por semana, contra as 21,8 horas que as mulheres ocupam nessas tarefas, notou. Estes dados, pensa a socióloga, estarão relacionados com o facto de as alterações não serem desejadas e de serem "encaradas com desconforto, principalmente por parte dos homens mais velhos".

“São os homens em casais de ‘duplo emprego a tempo inteiro’ (isto é, em que ambos trabalham) que mais investem no trabalho doméstico (quase seis horas) e os homens em casais em que ambos estão fora do mercado de trabalho os que menos investem (2,9 horas em média por semana)”, referem as investigadoras num resumo do estudo que é apresentado nesta quinta-feira.

No que se refere à totalidade dos casais com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos, em 2002 as mulheres ocupavam 20 horas e meia da semana em trabalho doméstico e os homens sete horas semanais. Em 2010, tanto elas como eles passaram a gastar menos tempo nestas tarefas, mas a distância entre ambos os grupos manteve-se, com elas a trabalharem 19 horas e eles seis.

A socióloga Anália Torres, que em conjunto com outros investigadores vai abordar o tema das perspectivas igualitárias sobre a família, considera que, pelo menos no plano do discurso, a igualdade entre homens e mulheres no acesso ao mercado de trabalho parece ser um valor adquirido na Europa. 

A título de exemplo citou, quando contactada pelo PÚBLICO, o facto de a nível europeu ter aumentando, de 2004 para 2010, a percentagem daqueles que rejeitam a ideia de que, em situação de escassez de postos de trabalho, os homens devem ter prioridade na sua ocupação. 

Ainda assim, sublinha, só os escandinavos rejeitam fortemente esse princípio. “Os portugueses, assim como os naturais de outros países do sul e do leste europeu”, referiu, “também o rejeitam, mas de forma menos veemente”.

  

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