Os rankings como retrato de uma Educação a várias velocidades
Compreendo parte dessas críticas e partilho algumas das reservas, mas considero que a publicação de rankings tem mais vantagens do que inconvenientes, pois permite-nos aceder a uma massa de informação que podemos usar, analisando-a e contextualizando-a de várias formas e com as mais diversas metodologias, de maneira a reduzir os riscos apontados.
Para além de que a transparência é um valor muito superior à opacidade e o conhecimento é sempre muito melhor do que a ignorância. Não partilho, pois, daquela visão – também ela redutora – de que as escolas devem funcionar sem qualquer tipo de verificação externa do que lá se passa, acusando-se todo o tipo de avaliação externa dos maiores pecados contra a Educação.
Até porque os rankings nos revelam muito mais do que as visões estreitas e dicotómicas nos querem fazer acreditar. Não se trata de sublinhar a oposição público/privado e explicá-la de modo maniqueísta ou de contrapor escolas “boas” e “más”, do topo ou da base da seriação e associar de modo linear essas posições relativas apenas a factores como boas ou más práticas de gestão das organizações escolares em causa ou dos profissionais que nela trabalham. Assim como é pouco útil adoptar atitudes de tipo determinista, assumindo como inevitável que os alunos de certas escolas estejam destinados a ter maus resultados porque se encontram em zonas mais carenciadas.
Se analisarmos os rankings numa perspectiva que de média duração encontramos tendências já conhecidas, mas que podem ser lidas para além de maniqueísmos que contaminam a análise e obscurecem o nosso olhar. Mais do que isso, podemos verificar que existem diversos tons entre o preto e branco.
O que a última década de rankings nos revela de forma mais evidente é que não se pode perturbar continuamente o funcionamento das escolas, em especial das públicas, e esperar que ela acompanhem o desempenho das privadas que funcionam com estabilidade ao longo dos anos, praticamente imunes aos efeitos da incontinência legislativa do Ministério da Educação. Revela-nos ainda que, sejam públicas ou privadas, as escolas mais inclusivas, as que não praticam formas mais ou menos assumidas de selecção dos alunos, tendem a ter desempenhos menos positivos à medida que as condições de vida da parte mais desfavorecida da população pioram, mesmo se esse factor não determina, por si só, o insucesso individual. Complementarmente, demonstra-nos que a aposta num apoio diferenciado às escolas públicas, com investimentos concentrados numa minoria de equipamentos de elevada qualidade, em regra localizados em zonas que já antes dispunham de condições envolventes mais vantajosas, conduziu a um agravamento das desigualdades na própria rede pública.
E esse será outro dos traços que mais se destaca quando analisamos os dados disponíveis, com maior ou menor contextualização… o aumento das desigualdades, sem que seja possível aferir se o desempenho médio melhorou, pois a variação nos critérios de dificuldade dos exames torna problemáticas essas comparações, como já foi admitido publicamente pelo próprio director do Instituto de Avaliação Externa.
Esse aumento da desigualdade resulta em boa parte, em meu entender, do acréscimo de perturbação que nesta mesma década caracterizou a vida das escolas, com sucessivas mini e macro-reformas, seja ao nível curricular, seja ao nível organizacional, não esquecendo a erosão muito real das condições laborais do pessoal docente e não docente. Essa permanente instabilidade, associada à opção por um modelo único e nada flexível de gestão das escolas públicas, com ou sem contratos de alegada autonomia, impediu que muitas escolas e agrupamentos se conseguissem estruturar da melhor forma, impedindo-os de dar uma resposta mais eficaz às necessidades específicas das suas comunidades educativas. O processo de concentração da rede escolar, com vagas anuais de encerramentos de escolas e criação de “unidades orgânicas” cada vez maiores, que levaram à instabilização dos corpos docentes de muitas escolas, dificilmente poderiam ter resultados capazes de concorrer com as escolas (públicas ou privadas) que conseguiram escapar a essa realidade.
Por isso, temos os rankings dominados cada vez mais por escolas privadas (e públicas) que praticam um recrutamento muito selectivo dos seus alunos, os quais têm famílias que se envolvem de modo muito activo na vida escolar dos seus educandos; e que apresentam um funcionamento interno que se caracteriza por uma forte identidade e não pelo agrupamento com outras. Mesmo entre as escolas públicas é notório que só conseguem manter-se na disputa as escolas ou agrupamentos que, dentro dos limites impostos pela legislação, conseguem adoptar algumas práticas de selecção no recrutamento, dentro dos limites impostos por lei, exactamente por se destacarem pelos seus resultados e terem muita procura.
O fenómeno que era mais sensível no ensino secundário alastrou ao ensino básico e verificamos agora como apenas no 1.º ciclo as escolas públicas conseguem ter mais de um terço dos estabelecimentos nos 100 primeiros lugares. Mas há um aspecto muito curioso exactamente no 1.º ciclo e nas escolas públicas: as melhores médias são conseguidas em escolas de pequena dimensão, que levam poucos alunos a exame, longe dos grandes centros urbanos (Anadia, Cinfães, Alcobaça, Santiago do Cacém). Nas melhores dez escolas públicas do 1.º ciclo, só num caso foram levados a exame mais de 15 alunos; em metade das situações foram a exame entre 2 e 10 alunos. O que destrói um pouco a teoria de que as escolas pequenas são marcadas por um maior insucesso dos alunos.
É a publicação dos rankings, com todo o aproveitamento que é feito em seu torno um factor que potencia o aumento da desigualdade, pois aumenta naturalmente a oferta das escolas melhor colocadas? É possível que sim, mas também temos, todos os anos, exemplos de escolas que sobem muitos lugares de forma contínua como corolário de um trabalho que resulta da percepção de algo estar mal no seu funcionamento e isso só é possível através da comparação com o desempenho de outras, em contextos similares.
Em qualquer ranking haverá sempre primeiros e últimos, bem como uma miríade de posições intermédias, em movimento ascendente ou descendente. O que é importante é que a divulgação destes dados seja usada para ajudar as escolas e agrupamentos que estão pior a melhorar em termos absolutos e relativos e não a deixá-los em guetos socioeducativos, reproduzindo o seu insucesso. Infelizmente, a lógica punitiva dos últimos anos – em que apenas se procuravam recompensar os “acima da média” – não é a mais adequada. E o forte desinvestimento no apoio aos alunos com maiores necessidades na rede pública (e que nunca têm lugar nas escolas de topo), por serem mais “caros” em termos individuais, tem-se revelado uma estratégia trágica, levando à progressiva erosão do desempenho da maior parte das escolas que se distinguem por garantir um acesso universal e não discriminatório das crianças e jovens à Educação.
A defesa da universalidade do serviço público de Educação é uma das principais medidas contra o aumento das desigualdades e da exclusão social. Os rankings, apesar do que dizem deles os críticos, podem ser uma excelente forma de alertar a opinião pública para os erros cometidos nesta última década, com políticas que contribuíram em muito para uma Educação (pública e privada) a várias velocidades.
Professor do 2.º ciclo do ensino básico, autor do blogue A Educação do meu Umbigo