Em dia de greve de médicos, "uns têm sorte, outros não"

Alguns utentes foram surpreendidos pela greve. Outros tentam a sorte mesmo sabendo da paralisação dos médicos.

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As ambulâncias de transporte de doentes continuam a deixar pessoas à porta dos Hospitais da Universidade de Coimbra Sérgio Azenha

José Neves, de 66 anos, que vive em Anadia, já regressa a casa empurrando a cadeira de rodas do sogro, que este ano completa 98 anos. Não se espanta por ter tido consulta de cardiologia. “Os médicos têm consciência de que com as greves não estão a castigar o Governo, mas sim os doentes, e não querem que isso aconteça”, comenta. 

Eduardo Perpétua, de 63 anos, teve menos sorte. Na consulta de dermatologia, estão vários médicos, diz, mas não o seu. Sai com consulta marcada para dia 28 deste mês. Cristina Coelho, 39 anos, sai indignada. Trouxe o filho a uma consulta de imunoalergologia pela qual esperava há quatro meses e não encontrou médico. Disseram-lhe para aguardar notícias sobre a remarcação.

A greve de dois dias foi convocada pela Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e tem o apoio da Ordem dos Médicos, mas não conta com a participação do Sindicato Independente dos Médicos (SIM). Em declarações ao PÚBLICO, a presidente da Fnam, Merlinde Madureira, refere que é cedo para avançar com estimativas da adesão dos médicos à greve. “Apenas podemos dizer que estamos a ter uma grande, grande adesão. E muitas cirurgias e consultas estão a ser adiadas. Esperamos também ter uma grande manifestação de médicos e utentes hoje à tarde em frente ao Ministério da Saúde." 

A dirigente da Fnam adianta ainda que gostaria que os médicos conseguissem a mesma adesão registada da greve de 2012, mas ainda não arrisca dados sobre o protesto iniciado esta terça-feira. Merlinde Madureira aproveita ainda para responder a Paulo Macedo, que acusou a Fnam de motivações políticas para a convocação deste protesto: “Claro que é política, é política de Saúde. É estranho que o senhor ministro considere que uma motivação política é um insulto e tem algo de negativo. Não é um insulto nem deve ser. É verdade que estamos a falar de política de saúde”. E acrescenta, em declarações à Lusa: "O utente vai ser afectado pela greve, mas não há risco de vida para ninguém e os serviços mínimos estão assegurados."

Viagens por vezes em vão

À porta dos HUC, algumas pessoas comentam a viagem em vão, mas não querem ser identificadas. “Sou funcionário público”, diz um deles. "Não vale a pena”, justifica outro. "Uns têm sorte, outros não", comenta, por sua vez, Vítor Manuel Mendes. Conta que ele, que vive em Coimbra, conseguiu consulta de oftalmologia para a mãe, mas que outro casal "que veio de longe", vai embora "sem nada". Refere-se a António Costa e Conceição. O casal acabou de percorrer 200 quilómetros, desde as Caldas da Rainha, para descobrir que o médico, de endocrinologia "não veio".

A Fnam aconselha os utentes a não saírem de casa sem confirmarem primeiro se têm consulta. Mas algumas pessoas deslocam-se e só no local percebem que não vão ser atendidas. Como Gabriela Pestana que acompanha a mãe, de 86 anos, e acaba de ser informada de que não terá consulta de cardiologia nos HUC. Não está zangada com os médicos "que avisaram que estavam de de greve". Ainda assim, lamenta que sejam "sempre os mesmos a pagar". Neste caso, o incómodo foi uma deslocação de carro (60 km) entre Tábua e Coimbra. 

Dia quase normal no São João  No Hospital de São João, no Porto, durante a manhã, não fosse pela presença da comunicação social e seria um dia “normal”. A voz comum era de que a greve não está a ter tanta adesão como em 2012.

Nas consultas externas, a ala da genética era a única fechada, pois nenhum dos três médicos que deviam estar ao serviço compareceu. O secretariado já tinha sido informado sobre a adesão à greve dos três médicos, mas os pacientes não. Todas as consultas deste serviço foram adiadas.

Nas especialidades da pediatria e da cirurgia parecia "um dia como qualquer outro”, nas salas de espera da ortopedia, da reumatologia e da cardiologia, a falta de médicos fez muitos pacientes aguardar horas pelas consultas. Maria Leite chegou ao Hospital de S. João às 8h30, mas duas horas depois continuava à espera. Ia para uma consulta de cirurgia, mas ainda não sabia se a médica ia aderir ou não à greve. A paciente, reformada, tinha conhecimento prévio da greve, mas acreditou que poderia ter consulta. Na sala de espera lamentava: “No meio disto tudo, os doentes é que pagam” e lembrava as pessoas que vinham de longe, com grandes custos, sem serem avisados da falta de médicos.

Na ala da neurologia, em 11 médicos, três aderiram à greve. Uma funcionária do secretariado explica ao PÚBLICO que os pacientes que chegam para consultas com médicos em greve são mandados embora “surpreendidos e chateados”. Fátima Dias foi uma dessas pacientes que “não estava nada a contar”. Doente de esclerose múltipla, Fátima ia à consulta levantar medicação “urgente”. Sem médico e sem ninguém para lhe passar a receita médica, Fátima Dias regressou a casa preocupada: “nos próximos tempos não devo ter consulta, mas preciso”.

Por outro lado, utentes como Fernando Conde tiveram consulta, “tal como em qualquer outro dia”. Também Serafim Cunha teve consulta: “Infelizmente o meu médico não aderiu à greve”. O reformado, tendo conhecimento da greve dos médicos, compareceu “mais para remarcar consulta do que para confirmar se a tinha”, mas admirou-se com a “normalidade” nos serviços médicos. Serafim Cunha garantiu estar de acordo com a luta dos médicos “em defesa do Serviço Nacional de Saúde e particularmente no caso do Hospital de S. João”.

A direcção do hospital não avançou qualquer estimativa sobre a adesão à greve, adiantando apenas que as primeiras horas da greve decorreram dentro da normalidade . 

 

Com Ana Dias Cordeiro e Ana Bárbara Matos

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