Os bons, os maus e as perplexidades
Juntando “maus” e “perplexidades”, só podemos ficar muito apreensivos com o rumo da Educação.
O recente “Modelo Integrado da Avaliação Externa das Aprendizagens no Ensino Básico” tem, como quase tudo, aspetos bons e maus. E alguns motivos de perplexidade.
Comecemos pelos bons. É bom que:
– a avaliação externa seja considerada essencial;
– as provas de aferição fiquem antes do ano de conclusão de cada ciclo, por forma a haver tempo para se desenharem estratégias de intervenção adequadas às fragilidades detetadas;
– as provas de aferição sejam obrigatórias e universais e realizadas de modo a terem interferência mínima com as atividades letivas regulares;
– passem a existir provas de aferição de outras disciplinas para além do Português e da Matemática, em regime de rotatividade no 2.º e 3.º ciclos;
– exista uma Prova Final no 9.º ano.
Mas é mau:
– basear a avaliação externa quase só em aferições sem consequência para a avaliação dos alunos: no meio cultural português isto resultará rapidamente na sua desvalorização (como alertou o Conselho Nacional de Educação e a prática exaustivamente comprova);
– que só ao fim de 9 anos de escola haja uma Prova Final externa que conta para a avaliação do aluno;
– que não haja Provas Finais contando para a avaliação dos alunos no fim do 1.º e 2.º ciclos: a existência de uma prova de aferição antes do final do ciclo serve, bem, para identificar problemas, desenhar estratégias de resolução e implementá-las antes do ciclo terminar. Mas depois não se verifica se essas estratégias tiveram êxito?! Será como alguém fazer análises de rotina, com base nas quais o médico prescreve um tratamento, mas depois não se preocupar em avaliar de novo se a terapia resultou!
– que, deste modo, se interrompam as séries de dados sobre avaliação externa, os quais permitiam estudos sobre a evolução do desempenho, o que nada ajudará futuras decisões informadas;
Por fim, causa perplexidade:
– a pressa na implementação do modelo: a meio do ano letivo;
– a prova de aferição do 1.º ciclo colocada no 2.º ano: uma das críticas às Provas Finais no 4º ano (quiçá a única que não era “quase ninguém faz estas provas”) era serem cedo demais e traumatizarem as crianças: será que crianças dois anos mais novas são menos traumatizáveis?
– a inclusão no anunciado grupo de trabalho para acompanhamento da implementação deste modelo, para além de professores e de “especialistas em avaliação” (não se percebe se são também professores), de “especialistas em currículo”. Significará isto que a próxima medida será mexer nos currículos?
– que a auscultação de “organizações e individualidades sobre as premissas para a construção do modelo” tenha deixado de lado, por exemplo, a Sociedade Portuguesa de Matemática que, desde a fundação há 75 anos, tem posições claras e fundamentadas sobre o Ensino da Matemática e uma intervenção constante em defesa de um ensino de qualidade alinhado pelas melhores práticas e não por modas de educação.
Juntando “maus” e “perplexidades”, só podemos ficar muito apreensivos com o rumo da Educação.
É preocupante constatar que, à esquerda “clássica” que dava enorme importância à educação e à sua capacidade para promover as classes trabalhadoras ao nível das classes mais favorecidas (e que votava um indisfarçável desprezo ao lumpenproletariat que, para além da falta de consciência política, à educação preferia a borga!), sucedeu alguma esquerda “(pós-)moderna” adepta de eliminar ou desqualificar mecanismos que podem imprimir exigência e qualidade ao sistema educativo pensando que assim se promove a igualdade. Que o aumento das desigualdades é o efeito deste tipo de políticas é claro das estatísticas, como alertou Avelino Jesus no artigo “Como o eduquês agrava a desigualdade” (Jornal de Negócios, 3/1/2014).
Os principais afetados pelo fim das Provas Finais no 1.º e 2.º ciclos e pela desvalorização que tal acarretará nos hábitos de trabalho dos alunos (no desaparecer do tal “treino para os exames” que é moda diabolizar) serão os que não podem pagar do seu bolso um ensino que os prepare para a vida. No mundo atual quem tiver uma formação de base exigente e tiver criado hábitos de trabalho rigorosos terá hipóteses de ser bem sucedido. Se a escola pública não providenciar esta preparação, quem pode pagar terá sempre alternativas, os outros, a quem o sistema educativo mais deveria ter “alavancado” mas não o fez, serão quase irremediavelmente votados a uma existência que, quando muito, será um potencial por cumprir.
Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática