Orientações da DGS para responder ao ébola estão todas a ser revistas
Com a percepção do risco a aumentar em Portugal, Direcção-Geral da Saúde está a actualizar as orientações para os profissionais de saúde.
Apesar de, em termos epidemiológicos, a situação não se ter alterado em Portugal, “a percepção do risco aumentou” nos últimos dias, com a notícia do contágio da auxiliar de enfermagem espanhola, e os profissionais começaram a ler com outra atenção as orientações que têm vindo a ser divulgadas pela DGS desde Abril e a fazer perguntas, explica a especialista da DGS. “Está a ser tudo revisto até para afinar a linguagem e para que não haja tantas dúvidas”, diz.
“A resposta está bem montada e o que é preciso, agora, é uniformizar procedimentos”, acrescenta Jorge Machado, coordenador do Departamento de Doenças Infecciosas do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), o laboratório de referência a nível nacional. Foi justamente para afinar estratégias e evitar ao máximo que haja falhas que o instituto promoveu sexta-feira uma acção de formação em que participaram especialistas de vários pontos do país. Objectivo central? Esclarecer como vestir e despir os fatos de protecção usados pelos profissionais que têm que lidar com casos suspeitos. Até à data, o Insa já foi chamado a actuar em quatro casos considerados suspeitos, que se vieram a revelar todos negativos (três eram doentes com malária e o outro tinha febre tifóide).
O Insa está disponível para dar formação a quem o solicitar, garante o responsável, que nota, porém, que “formar toda a gente seria impensável”. Com cinco laboratórios de alta segurança, pessoal treinado e já “posto à prova em sucessivas crises”, como a do antrax, em 2001 e, mais recentemente, a do vírus H1N1 (a gripe A,) o instituto de referência tem uma equipa dedicada a este problema, mas, na retaguarda, há grupo de profissionais “bem maior que está todo treinado”.
E se um doente com ébola chegar a um serviço de urgência?
Mas, se no laboratório de referência e nos hospitais definidos a nível nacional para receber os casos suspeitos (o Curry Cabral e o D. Estefânia, em Lisboa, e o S. João, no Porto) o pessoal está a ser formado, o que é que está a acontecer nas outras unidades de saúde? "O elo mais fraco" do sistema de saúde são as urgências, teme Mário Jorge Santos, da Associação Portuguesa dos Médicos de Saúde Pública, que lembra que trabalham nestes serviços muitos clínicos contratados à tarefa e que os cortes orçamentais têm contribuído para a “degradação” das condições. “O meu principal receio é que chegue um doente a um serviço de urgência e seja visto por alguém que não faça parte do staff”, explica. Apesar de o risco em Portugal ser “baixíssimo e de o país estar "bem preparado" para dar resposta nesta fase, é preciso acautelar este tipo de situações, sustenta.
“A maior preocupação sente-se entre os profissionais que trabalham nas urgências”, corrobora Bruno Noronha, da Ordem dos Enfermeiros (OE), que frisa que a própria distribuição arquitectónica destes serviços não é de molde a facilitar o isolamento dos doentes. “Numa primeira abordagem, os doentes estão todos juntos e, a agravar, os sintomas da infecção por ébola confundem-se com os sintomas de uma gripe normal”, acentua Bruno Noronha, que trabalha no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Apesar de os enfermeiros que fazem a triagem dos doentes nas urgências terem já dispositivos de protecção individual, como máscaras, batas e luvas, nesta urgência vêem “centenas de casos por dia”, lembra. Numa altura em que se aproxima a época da gripe, o enfermeiro receia que se crie uma situação caótica nos hospitais e até nos centros de saúde, onde os profissionais “receberam as orientações da DGS e mais nada”.
“Actualmente temos um nível de alerta entre verde e amarelo, mas devemos estar conscientes de que este pode aumentar”, defende Jorge Atouguia, especialista em medicina tropical e infecciologia. Jorge Atouguia também não está preocupado com os médicos e enfermeiros dos hospitais de referência. “O problema são os colegas dos outros hospitais e dos centros de saúde”, alerta. “Aqui, não sei se existirá estratégia”.
Um problema suplementar e que não tem sido equacionado, na sua opinião, é a previsível “desregulação que este fenómeno vai provocar nos serviços de saúde”, com a necessidade de isolar doentes. “E se não houver zona de isolamento? E o que se faz quando é necessário transportar um doente num elevador”, pergunta. “Neste momento, o risco maior para a população nem é Portugal ter casos de ébola, mas sim o da disrupção que resultará de ter que ser fechado um serviço de saúde. Nos grandes centros haverá uma alternativa, mas nos pequenos será mais complicado”, perspectiva.