ONG dizem que “uma soma de medidas não é uma estratégia” contra a pobreza
A propósito do Programa Operacional Inclusão Social, fórum que reúne diversas organizações diz que falta debate público. Governo recusa ideia. Diz que houve “vários encontros” para debater assunto.
“Uma soma de medidas não é uma estratégia”, diz ao PÚBLICO Sérgio Aires, presidente da Comissão Instaladora do Fngis. “Uma estratégia nacional de combate à pobreza deve ser um programa de Governo. E deve ter como principal característica ser transversal a todos os sectores e áreas de governação; deverá ser planificada, implementada e avaliada em parceria com a sociedade civil; deverá contar com uma implicação legislativa e parlamentar muito forte (toda a legislação produzida deverá ser 'à prova de pobreza'); deverá ser capaz de intervir nas situações de emergência mas, e acima de tudo, ter uma fortíssima dimensão preventiva. Por outras palavras, deverá envolver precisamente quem tem estado alheado desse objectivo (e muitas vezes é o principal responsável pela criação de pobreza): Economia e Finanças.”
No Programa Operacional Inclusão Social e Emprego estão muitas das medidas que permitirão concretizar um objecto definido no Quadro Comunitário de Apoio 2013-2020: que 20% do Fundo Social Europeu (FSE) seja obrigatoriamente dedicado ao combate à pobreza.
Não foi dito aos Estados-membros como é que cada um deveria concretizar essa meta mas, como lembra Sérgio Aires, estes comprometerem-se em geral “com uma estratégia europeia de combate à pobreza”.
O Fngis é uma associação com uma dúzia de organizações não governamentais, entre as quais a Amnistia Internacional, a Cáritas Portuguesa, a Rede Europeia Anti-Pobreza, a ANIMAR — Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local e a Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social.
Em comunicado enviado às redacções em meados do mês, este fórum fez saber que se identificava “em linhas gerais” com “a caracterização do problema da exclusão social” feita no Programa Operacional Inclusão Social e Emprego.
Contudo, levantava algumas dúvidas e considerava importante promover “uma discussão pública participada”.
“Olhando para a forma como este programa foi desenhado — sem qualquer debate público, sem participação directa das organizações que irão ser os principais ‘alvos’ das medidas em termos de execução... — tememos que a mesma forma de estar continue na sua implementação. Estes programas têm de deixar de ser programas de iniciativa exclusivamente governamental”, explicita Sérgio Aires.
Contactado pelo PÚBLICO, a propósito destas críticas, o gabinete de imprensa do Ministério da Solidariedade, Emprego e da Segurança Social refuta-as.
Em resposta por escrito diz que o Programa Operacional em causa começou a ser debatido em Setembro de 2013. “Posteriormente e até final de Fevereiro de 2014 foi debatido em vários encontros quer da Comissão Permanente do Sector Social, quer da CASES [Coperativa António Sérgio], e ainda numa reunião do Conselho Nacional para a Economia Social. Em todos estes órgãos têm acento membros do Fngis.”
Houve ainda um período discussão pública, afirma-se — segundo um comunicado colocado no site do QREN a 5 de Março era possível enviar até 25 desse mês comentários e contributos.
Quanto à falta de estratégia nacional para combater a pobreza, o ministério informa que esta “não se esgota num único documento” e que “o Governo tem outros programas como o PES” — Programa de Emergência Social.
Propostas das ONG
No comunicado de há duas semanas, o Fngis também deixava algumas propostas: por exemplo, que o Governo deve integrar nos “grupos vulneráveis” à pobreza “a categoria dos trabalhadores pobres”. Que deve apostar na figura dos mediadores e educadores de pares. E que deve explicitar melhor o que vai ser o anunciado programa que apoia a transição para trabalho a tempo parcial de pais empregados com filhos menores, previsto no programa operacional.
Sobre este último ponto, diz Sérgio Aires: “Aí está uma medida que isolada poderá não produzir efeito absolutamente nenhum. Incentiva-se a natalidade mas precariza-se protecção social, salários, condições de trabalho...”
As ONG consideram ainda essencial que se esclareça o que se pretende com as chamada Redes Locais de Inserção Social, de que fala o Programa Operacional. “São ainda algo muito pouco claro. Parecem querer avançar com uma descentralização da Segurança Social, o que seria algo bastante interessante, mas, ao mesmo tempo, tememos que tal possa significar uma desresponsabilização do Estado em termos de protecção social. Transfere-se para a sociedade civil responsabilidades mas não os meios. Além disso, importa saber para que tipo de sociedade civil serão transferidas as responsabilidades. Tudo isto mereceria uma discussão pública muito abrangente”, prossegue Sérgio Aires.
O também presidente da Rede Europeia Anti Pobreza Internacional questiona-se sobre as exigências que podem vir a ser feitas a quem vai candidatar-se às verbas europeias: “Preocupa-nos que as organizações mais pequenas e menos dotadas tecnicamente (mas tantas vezes aquelas que estão mais próximas dos problemas e em condições de contribuírem para a sua solução) fiquem impedidas de participar, particularmente no que diz respeito à concepção das medidas e sua avaliação.”
O Programa Operacional Inclusão Social e Emprego deverá mobilizar, segundo a sua versão preliminar (ainda não foi disponibilizada outra), 1969 milhões de euros mais uma dotação específica de 161 milhões. Tem três eixos: “Promover a sustentabilidade e a qualidade do emprego e apoiar a mobilidade dos trabalhadores”, apoiar a empregabilidade dos jovens e promover a inclusão social e combater a pobreza. São enumeradas dezenas de medidas.
Aires diz que os valores das verbas em cima da mesa “não são o ponto mais importante”. E insiste: “Na realidade, deveríamos (implicando todos os actores) ter criado uma estratégia, identificado prioridades, definido metas, preparado a sua adaptabilidade aos diferentes territórios e depois orçamentado.”
O acordo de parceria entre o Governo e a Comissão Europeia ficou concluído há duas semanas. Os países têm de adoptar os diferentes programas operacionais até Janeiro de 2015.