O teste de Cambridge vai hoje às escolas, mas o certificado pode não valer de muito

Cerca de 121 mil alunos fazem hoje o teste diagnóstico de Inglês que permite também obter um certificado reconhecido internacionalmente. Mas será este um trunfo no mundo do trabalho?

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Professores de Inglês defendem que a confusão nas escolas só se justifica se este for um primeiro passo em direcção ao “First” Rui Gaudêncio

Os representantes de directores escolares contestam o transtorno causado pelo teste diagnóstico de Inglês certificado pela Universidade de Cambridge; a direcção da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap) critica o encerramento de algumas escolas para a sua realização; e as associações de professores lamentam a pressa do Governo na aplicação da prova que esta quarta-feira vai ser realizada por cerca de 121 mil alunos. Todos concordam que esta mobilização só se justifica se este for o primeiro passo para proporcionar aos estudantes, dentro de alguns anos, o First Certificate in English (FCE) e Alberto Gaspar, da Associação Nacional de Professores de Inglês, avisa mesmo que, “se for para ficar por aqui, esta confusão não valeu de nada”.

Há cerca de duas semanas, o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) decidiu abrir novo prazo para inscrição dos alunos que pretendam obter o certificado relativo à sua classificação no Key for Schools, o teste concebido pelo Cambridge English Language Assessment, que este ano é obrigatório para os alunos do 9º ano e facultativo para os do 6º, 7º, 8º,10º, 11º e 12º. Na terça-feira, apesar dos insistentes pedidos feitos pelo PÚBLICO, aquele instituto não revelou quantos alunos se inscreveram entretanto e quantos já se tinham inscrito até ao dia 17.

“Do total de alunos que pediram certificado, 66% são do 9.º ano”, “13% abaixo do 9.º ano” e “21% acima”, limitou-se a informar o IAVE, sem adiantar qual o número total de inscrições. Em relação ao universo dos inscritos , adianta ainda que 59 % não estão abrangidos pela Acção Social (pelo que cada um dos alunos pagou 25 euros), 15 % pertencem ao escalão B e 26% ao escalão A (tendo, por isso, de pagar metade daquele valor ou nada, respectivamente).

“Terão sido poucas as inscrições? Sinceramente, não me espanta”, disse ao PÚBLICO a presidente da Associação Nacional de Professores de Língua Inglesa (ANPLI), Ana Neves. Não critica o Ministério da Educação e Ciência (MEC) por ter decidido aplicar, “ neste primeiro ano, um teste com um nível de dificuldade básico em relação ao domínio da língua que se espera de um aluno que está no final do 9º ano”. Diz que, no entanto, que "isso poderá explicar e justificar uma eventual falta de procura dos certificados". “Estes podem variar entre o A1 ou B1, na escala do Quadro Europeu de Referência para as Línguas – Está longe de ser o que normalmente é exigido no mundo do trabalho, a nível internacional”, diz.

Alberto Gaspar, da Associação Portuguesa de Professores de Inglês (APPI), valoriza “o diploma”. “Se me perguntar o que é que um aluno vai fazer com ele, tenho de dizer que realmente não lhe servirá de muito… Mas sempre é um certificado de uma entidade externa com reconhecimento mundial, um incentivo, um estímulo”, argumenta. Frisa, ainda assim, que, se este ano, “por uma questão de aferição”, se justifica o nível de exigência relativamente baixo, “o objectivo tem de ser, a muito curto prazo, proporcionar a todos os alunos que saem do secundário, a um preço razoável, o First Certificate in English". Esse, sim, sublinha, é será uma ferramenta essencial "em todos os países do mundo". Uma opinião que Jorge Ascenção, da Confap, partilha.

Os directores escolares criticam “os excessos burocráticos” que a realização do teste envolve, precisamente por causa da certificação. "Somos obrigados a seguiregras internacionais de um rigor absurdo, quando comparadas com as dos exames nacionais, e quase ridículas, tendo em conta que a nota neste teste não tem influência na classificação final dos alunos do 9º ano e que um certificado deste nível não tem valor real no mundo do trabalho”, protestou Pedro Araújo, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, que diz que a prova causou "a maior confusão nas escolas".

“Há coisas realmente ridículas. Como a definição, ao milímetro,  da distância entre as mesas; ou a indicação de que nós, os vigilantes, não nos devemos mover e, ao mesmo tampo, temos de ver todos os alunos e de apoiar quem precisar de assistência. Há outras exigências que, temo, são impossíveis de cumprir, como manter as portas das salas abertas e garantir que o texto em inglês é audível em perfeitas condições por todos os alunos”, comentou Paulo Guinote, autor do blogue A Educação do meu Umbigo.

 Adelino Calado, da Associação de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) frisa é aquele tipo de regras, nomeadamente em relação ao silêncio, que obriga muitas escolas a mandar para casa, na parte da tarde desta quarta-feira, a maior parte dos alunos que não fazem a prova. Jorge Ascenção, representante dos pais, mostra-se indignado: “Afinal trata-se de um teste de diagnóstico, nem sequer é um exame! Faz algum sentido fechar escolas? Organizadas as coisas com tempo, não seria possível conciliar as aulas com a sua realização?”

Também os dirigentes das associações de professores e inglês gostariam que a prova, financiada por entidades privadas, não tivesse sido aplicada este ano. “Era preferível o MEC ter tido tempo para sensibilizar e informar professores, pais e alunos e para organizar tudo com a serenidade necessária. Ter-se-iam evitado muita confusão e muitos dos dramatismos” disse Alberto Gaspar, dando como exemplo o encerramento e reabertura de prazos para as inscrições dos alunos e a desistência de professores de inglês depois de se terem oferecido para fazer a parte oral da prova.

Esta terça-feira, o IAVE assegurou que neste momento estão “1100 professores envolvidos no processo de classificação”, “um número suficiente para assegurar a componente oral do teste diagnóstico de Inglês”, que está em curso desde Março. Na segunda-feira, a presidente da ANPLI disse, no entanto, em declarações ao PÚBLICO, que ela própria tem sido chamada a cobrir faltas de colegas, que se voluntariaram numa primeira fase e desistiram depois, “ por estarem muito ocupadas nesta fase do ano lectivo e”, admitiu, “também por se aperceberam de que o trabalho não seria pago”.

No início de Abril, já com o prazo para a realização da componente oral a decorrer, directores de escolas de norte a sul do país foram convidados a designar professores para fazerem a formação e integrarem a bolsa de classificadores do teste diagnóstico de Inglês, apesar de, nos termos da legislação em vigor, aquela ser formada apenas por voluntários. 
Na altura, dirigentes da Federação Nacional de Professores (Fenprof) e da Federação Nacional de Educação (FNE) reagiram avisando os docentes de que poderiam recusar-se a fazer a formação, obrigatória para os professores examinadores. Na altura, o MEC comentou o pedido registando apenas que “o teste de diagnóstico é de aplicação obrigatória” e que “o processo de classificação tem de ser assegurado por professores de Inglês”. 

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