O que move os nossos mestres? Não é o dinheiro

Os mestrados são hoje em Portugal a antecâmara de uma vida profissional que muitas vezes não se cumpre, mas Bolonha tornou-os cada vez mais obrigatórios.

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Dizem-nos que vamos ganhar cerca de 700 euros em Portugal.” Pouco importam a Helena as promessas de sucesso de um mestrado, como o que ela está a concluir em Engenharia Mecânica. O que lhe ficou no ouvido, enquanto estudante a receber uma bolsa de excelência de mil euros, foi o prognóstico de alguns professores sobre um futuro muito próximo, para ela, quase presente.

Os mestrados são hoje em Portugal a antecâmara de uma vida profissional que muitas vezes não se cumpre, mas Bolonha tornou-os cada vez mais obrigatórios. No último ano lectivo com dados disponíveis, 32% dos mais de 350 mil estudantes que se inscreveram no ensino superior já foram candidatos a mestres e 38 mil deles terminaram o curso nesse mesmo ano de 2013-2014, em universidades e politécnicos.

O que estes números indicam é que Bolonha generalizou e agigantou uma etapa de estudos superiores que produz já um quarto dos diplomados — o resto divide-se por doutorados e licenciados — à procura de uma vida.

Indicam, por outro lado, uma janela para um mundo em mudança. Por exemplo, um mundo em que cai rapidamente o número de mestrados com turmas só de homens ou só de mulheres; em que os estudantes estrangeiros europeus ultrapassam os dos países de língua oficial portuguesa; em que o universo de desempregados conta com mais mestres.

A Revista 2 comparou os últimos três anos lectivos com dados completos e inquiriu as principais instituições do ensino superior. E o quadro que encontrou é uma parte das vidas de Helena, André, Nuno, Ana, Marco e Juan.

Em 2013/2014, 62,5% dos mestres eram mulheres, o que constitui um recorde. No inquérito feito pela Revista 2, a maioria das instituições de ensino superior conta entre 50 e 60% de presenças femininas. A excepção está na Universidade do Porto: as mulheres representam 39,8% das inscrições em mestrados em 2014/2015. Na Universidade de Coimbra, a percentagem, no mesmo período, é de 55,8%. Mais a sul, a Universidade do Algarve tem 64% de mulheres inscritas e o Instituto Politécnico de Setúbal 67%.

Também há mulheres que escolhem outra porta. É o caso de Helena Sofia Lopes, uma das poucas alunas do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica da Universidade do Minho. Em Braga, Engenharia Mecânica é um dos cursos com maior discrepância entre sexos: neste ano lectivo estão inscritos 523 estudantes, 473 são homens, 50 são mulheres. Nesta universidade, em 2014/2015, 61,9% das matrículas nos mestrados foram feitas por mulheres. Mas para Helena, 21 anos, Engenharia Mecânica foi mesmo a primeira opção na candidatura de acesso ao ensino superior. “Durante o secundário, via bastantes programas no Discovery Channel e National Geographic que abordavam assuntos sobre mecânica, automóveis, entre outros, e penso que isso também influenciou a minha escolha.” Matemática e Física eram as disciplinas preferidas e a curiosidade em perceber como as coisas funcionavam, aliada ao interesse pela área das tecnologias, também pesaram na hora da decisão. É a melhor aluna da turma e, por isso, ganhou a Bolsa Excelência da Universidade do Minho pela sua média de 18,61 valores. A bolsa de cerca de mil euros permite-lhe pagar um ano de propinas.

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Helena pensa no futuro e lembra-se do tal prognóstico de alguns professores: “Vamos ganhar 700 euros em Portugal.” A frase bate, mas não lhe abana as aspirações. Se surgir oportunidade, Helena quer tirar uma pós-graduação. “Seria uma possibilidade de adquirir mais ferramentas e conhecimentos, além de ser uma vantagem quando estiver inserida no mundo profissional.” Trabalhar em Portugal é a primeira opção, mas se tiver de partir, vai. “Não tanto pela parte económica, mas por enriquecimento pessoal e pelo contacto com outras realidades.”

O desemprego jovem preocupa-a: “Há tantos jovens qualificados a não terem oportunidades de emprego nas suas áreas, tanto assim é que alguns são ‘obrigados’ a emigrar ou a arranjar trabalho noutra área qualquer. É muito mau não só para os jovens, mas também para as suas famílias e para o país que investiram neles.” Apesar de tudo, Helena, filha única, está optimista. Gostaria de prosseguir os estudos, trabalhar numa empresa moderna na sua área de especialização em sistemas mecatrónicos, que alia conhecimentos de engenharia mecânica, electrónica, informática. “Ter um curso ou um mestrado é sempre uma mais-valia. Além disso, é algo que os empregadores valorizam”, refere. Mas, na sua opinião, um mestrado integrado num curso vai perdendo força. “Está um pouco desvalorizado.” No entanto, entre ter e não ter, é melhor ter, até porque a realidade lhe tem mostrado que os mestrados e doutoramentos são valorizados na avaliação que as empresas fazem dos currículos.

No final do ano passado, quem tinha habilitações superiores representava 12% do total dos desempregados. Eram, ao todo, 70.783 e, destes, 14,4% eram mestres.

Um mestre que calçou as chuteiras

André Vale não fazia parte desses números, mas a sua vida poderia ser mais tranquila, financeiramente falando. Um dia, quis que tudo mudasse. Mestre em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico (IST), investigador, passava os dias sentado a uma secretária com estudos de impacte ambiental à frente. A carreira académica seria o percurso mais previsível. Não foi. O sonho de trabalhar com crianças e ser treinador de futebol falou mais alto.

É agora treinador na Escola de Futebol do Benfica, que tem miúdos dos três aos 16 anos, e é coordenador técnico da Escola de Futebol no Benfica de Oeiras, onde faz a gestão de treinos e treinadores que têm a seu cargo cerca de 70 crianças dos três aos 12 anos. Trabalha em part-time na Associação Cultural Moinho da Juventude na Cova da Moura, em Almada. Coordena o projecto Eco-Escolas dessa associação, faz a ligação entre as várias respostas sociais da instituição no que diz respeito à educação ambiental e também dá apoio escolar complementar nas áreas de Ciências e Matemática.

André tem 28 anos e não se arrepende de ter largado a carreira de investigador. Não foi fácil, teve de fazer contas à vida, ainda vive com os pais. “Tinha tudo seguro para seguir uma carreira académica consolidada. Tive de ter uma força de vontade muito grande e de provar a todos que sabia o que estava a fazer. Sabia que ia ter resultados, sabia que ia alcançar coisas”, conta. Acumula vários empregos, trabalha 50 horas por semana se for preciso. “E tem de ser assim para conseguir ter um rendimento suficiente ao final do mês que me permita ser minimamente independente. É na área que gosto e onde sempre sonhei estar e quem corre por gosto também se cansa, mas nunca se arrepende”, refere.

Em Setembro de 2011, terminou o Mestrado Integrado em Engenharia do Ambiente com média de 15 valores e com seis meses em Milão como aluno de Erasmus. Um professor convidou-o a ficar no IST como investigador. Aceitou e começou a trabalhar. Em Outubro do ano seguinte, concorreu a uma bolsa do LNEC — Laboratório Nacional de Engenharia Civil, “pelo prestígio de trabalhar num laboratório de renome”. Foi o melhor classificado, ficou com uma bolsa de investigador, na altura, de 980 euros por mês. “Passava o dia inteiro à frente do computador a trabalhar para as pessoas, sem lidar com as pessoas. Fazia e assinava projectos que influenciavam a vida das pessoas e não ia aos sítios”, recorda. Ficou um mês. “É muito difícil chegar a casa e dizer: ‘Estou farto disto, vou largar tudo e seguir o meu sonho, quero ser treinador de futebol e vou conseguir, der por onde der’.” Um dia antes de se despedir, no regresso a casa, perdeu o medo e a vergonha e bateu à porta do Estádio da Luz. O professor António Fonte Santa, a quem chama mentor, aceitou-o na escola. “A ele devo uma parte do meu sucesso em mudar de vida”, confessa.

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André Vale fotografado na Associação Cultural Moinho da Juventude, na Cova da Moura, em Almada Daniel Rocha

Em Junho de 2013, começou a fazer cursos de formação de futebol, os chamados “níveis de treinador”, em Inglaterra. Ainda não acabou. “Decidi fazer estes cursos no estrangeiro porque queria desafiar-me, sair da minha zona de conforto, obrigar-me a ir treinar em condições e numa língua diferentes e também porque teria mais uma coisa que me diferenciasse no currículo.” O percurso no futebol tem sido sempre a subir. Em Setembro, passou de treinador estagiário a treinador principal da selecção de 2009 das Escolas de Futebol do Estádio. E ainda treina, três vezes por semana, os iniciados B, adolescentes de 13 anos, do Linda-a-Velha.

Como estagiário e aprendiz no Benfica, não tinha rendimentos. Desenhou então um projecto de empreendedorismo social que apresentou a um grupo de investigação do IST. Esse projecto, revela, “consistia na criação de uma plataforma de conhecimentos que permitisse a qualquer pessoa, em tempo real, aceder a informação básica sobre ambiente, ecologia, agricultura”. A ideia é, explica, “que essa informação não fosse puramente académica ou teórica, mas sim da partilha de conhecimentos ancestrais e seculares, juntamente com conhecimentos surgidos da investigação científica nessas áreas”. Uma plataforma online aberta à participação de todos. E assim, em Novembro de 2012, voltou à faculdade com uma bolsa a tempo parcial para conciliar o tempo com os treinos. Ficou quase um ano, até Setembro de 2013, quando largou de vez o papel de bolseiro. “Era o mesmo problema: muito trabalho em frente do computador, muito pouco junto das comunidades que queríamos influenciar e, por essa altura, a minha motivação estava totalmente focada no futebol.” Sem remuneração, André entra na Associação Cultural Moinho da Juventude, na Cova da Moura. “Tem sido um desafio enorme, mas é um trabalho que me dá muito prazer. É duro, mas permite-me sentir que estou a trabalhar para algo que se vê”, conta. Está lá desde Dezembro de 2103. “Tenho aprendido muito do que é a vida, a sociedade, as dificuldades que muita gente passa, através do bairro”, diz.

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André não desvaloriza o percurso académico. Pela capacidade de raciocínio, pela capacidade de realizar muito trabalho e de pensar sob pressão. “O Técnico é muito bom, ensina-nos a pensar e a desenrascar. Saí muito bem preparado, com um bom ritmo de trabalho.” Falta, na sua opinião, preparação para o mercado de trabalho, mais protocolos entre as universidades e as indústrias, um semestre de integração num grupo de investigação ou numa empresa, estágios obrigatórios em contexto de trabalho para todos os alunos. “Os engenheiros existem, na sua essência, para resolver problemas práticos. Como podem fazer isso se só têm cadeiras teóricas?”, questiona. Compreende, no entanto, que a actual situação do país não dê grande margem de manobra às faculdades. “Por ver que a formação superior oferece, muitas vezes, caminhos que não vão, de todo, ao encontro do que as pessoas querem, mas onde, muitas vezes, se deixam a definhar ao nível pessoal, arrisquei em não o permitir.”

André tem os pés no chão. “A altura em que se larga tudo para mudar de vida é naturalmente conturbada e difícil, em que se têm de tomar decisões de uma responsabilidade enorme.” Como toda a gente, tem dias bons e dias maus. O seu lema passou a ser não tomar decisões baseadas em dinheiro. Faz questão de passar essa mensagem aos que estão à volta. “Há cada vez mais um número assustador de pessoas que fazem frete no trabalho pelo vencimento, sem darem uma única oportunidade de tentarem ser felizes e fazerem o que gostam. Todos merecem uma chance, por mais madrasta que a vida possa parecer.”

Segundo o inquérito realizado pelo PÚBLICO, na Universidade de Évora, em 2014/2015, o rendimento médio líquido à data do início do mestrado de 2.º ciclo era de 1023 euros. Na Universidade de Aveiro, 33,5% estavam nos salários entre 1000 e 1499 euros, enquanto 31,6% auferiam entre 750 e 999 euros e 3,2% auferiam 2000 ou mais euros por mês. Na Universidade do Porto, 28,9% dos mestres ganhavam entre 801 e 1100 euros, 27,9% auferiam entre 1101 e 1400 euros e 11% mais de 1701 euros mensais.

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Nuno em Angola, Ana e Maria procuram trabalho

Nuno Rocha estudou na Universidade do Porto e não sabe o que é estar desempregado. Tem 30 anos, trabalha em Angola como advisor numa empresa de investimento, a Gemcorp Capital, que tem sede em Londres, e é o responsável pelo processo de expansão em África. Tem um salário confortável, uma carreira pujante. São os desafios e as experiências que o fazem mexer. Não é uma questão de números ou de uma carteira mais recheada. “A formação académica, mais do que um melhor salário, significa mais e melhores opções seja através do empreendedorismo ou trabalhando para alguém num caminho que deve ser sempre trilhado tendo metas e objectivos bem definidos e que, naturalmente, vamos renovando”, conta numa troca de emails.

Saiu da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto em 2007 com uma média de 14 valores. “O grande trunfo que ganhei durante a universidade foi aprender a pensar. Continuo a resolver problemas e a encontrar as melhores soluções como um engenheiro, apesar de nunca ter exercido.” Dedicou-se à área financeira. Curso concluído, começou a carreira como analista na avaliação de activos numa empresa de consultoria e engenharia, fazendo a ligação aos principais bancos portugueses. Fez uma pós-graduação em Análise de Investimentos e Avaliação e no final de 2012 saiu da empresa como director executivo. “Senti que precisava de organizar e estruturar os conceitos relativamente a liderança e gestão. Nessa altura, procurei algumas opções de Business Schools, tendo sido aceite em duas. Optei pela Universidade Católica do Porto e pelo programa MBA Atlântico”, revela. Acabou o MBA em Agosto de 2014 e no mês seguinte recebeu uma proposta para liderar a área de investimento de uma empresa em África. Em Março deste ano surgiu o convite da Gemcorp Capital. Nuno é apologista do velho ditado que o saber não ocupa lugar. “A formação académica abre caminhos, mas é função de cada indivíduo encontrar as oportunidades e os desafios que o satisfaça e o faça feliz.” E o futuro? “A minha expectativa é ter uma vida familiar completa, seja em que geografia for, e liderando um projecto que me desafie todos os dias”, responde.

Quando era pequeno, queria ser como André Agassi, jogador profissional de ténis. Na hora de tomar decisões, decidiu estudar Engenharia Civil. O pai, engenheiro, era o exemplo que queria seguir. Durante as suas especializações, nunca deixou de trabalhar. Casou-se em Julho deste ano, a mulher trabalha em Portugal. Apesar de estar noutro continente, o país está sempre perto: “Vejo em Portugal oportunidades que, muitas vezes, são desaproveitadas pela vergonha social de falhar. Essa é uma das grandes mudanças que Portugal e os jovens portugueses devem encontrar no seu caminho para a felicidade”, defende. A emigração, em seu entender, exige reflexão e mudanças de todos os intervenientes envolvidos na equação. “É preciso perceber as causas reais que são mais profundas do que aquilo que se ouve nos discursos. É preciso, por outro lado, olhar para os desafios que a conjuntura nos apresenta como enormes oportunidades para evoluirmos como indivíduos, mas principalmente como sociedade.”

Segundo dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), a maioria dos mestres desempregados tem entre 25 e 34 anos, são 6488 do total e representam 22,4%, seguindo-se 1903 mestres sem trabalho com menos de 25 anos e que representam 14,9%. No inquérito realizado pela Revista 2, o Instituto Politécnico de Setúbal revela que, em 2014/2015, 81% dos alunos já tinham contratos remunerados antes da conclusão do mestrado e 15% arranjaram trabalho até seis meses depois da conclusão dessas formações. Na Universidade do Porto, também em 2014/2015, após um ano da conclusão dos mestrados, 76,2% estavam empregados, 11,3% estavam desempregados, 5,9% em estágios e 5,3% continuavam a estudar.

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Nuno Rocha estudou na Universidade do Porto trabalha em Angola como advisor numa empresa de investimento dr

Ana Ferreira está do lado dos 12% de desempregados diplomados contabilizados no final do ano passado e nos 1661 mestres que andam à procura de trabalho há cerca de um ano. Aos 25 anos, procura o primeiro emprego com uma licenciatura em Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e um mestrado do 2.º ciclo em Comunicação, Arte e Cultura na Universidade do Minho, concluído em Outubro do ano passado com uma média de 17 valores.

“Sabia que depois do mestrado ficava por minha conta.” Assim foi. Ficou atenta aos anúncios, enviou currículos, inscreveu-se em estágios, esperou por respostas que não chegaram. Até ao momento, foi a quatro entrevistas. Ter um mestrado não tem sido um entrave, o calcanhar de Aquiles é a falta de experiência profissional, mesmo para empregos a recibos verdes e em part-time. “Numa das entrevistas, senti que havia bastante apreensão por parte dos empregadores pelo facto de eu não possuir qualquer experiência profissional e este ser um critério de avaliação nas candidaturas aos estágios, coisa que para mim não faz qualquer sentido visto que o programa pretende ser um primeiro contacto dos jovens com o mercado de trabalho.”

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O mestrado não surgiu por acaso. Ana escolheu a área que queria aprofundar: “Senti necessidade de aprofundar temáticas que a Sociologia aborda.” Entre o curso e o mestrado, fez seis meses de voluntariado no programa Escolhas, planificou e dinamizou actividades pedagógicas para jovens. “Essa experiência permitiu-me perceber o que gostava de fazer em termos profissionais.”

Ana faz parte do Orfeão Universitário do Porto desde 2009. Desde o tempo da faculdade que mantém o contacto com a instituição. Mora com a mãe e o irmão, o pai emigrou para Angola. Tenta manter o optimismo, inscreveu-se em bolsas de voluntariado na Casa da Juventude de Matosinhos, na plataforma de apoio aos refugiados. “Houve já diversas ideias para constituir um negócio com amigos ou família, mas isso nunca foi para a frente”, lembra. Tem pensado em muita coisa, em voltar à universidade e inscrever-se num mestrado que saiba que “tenha saída”. O que vê à volta não é animador. “As minhas colegas de licenciatura não estão a trabalhar na área. Desde supermercados a call centers e portagens, há de tudo um pouco e nenhuma trabalha em Sociologia”, refere. “Nesta perspectiva, é um bocadinho difícil estar optimista.”

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Ana Ferreira procura um primeiro emprego. Licenciou-se em Sociologia e tem mestrado do 2.º ciclo em Comunicação, Arte e Cultura DR

Do lado do desemprego, mas com experiência profissional, está também Maria Manuel Rola, 31 anos, designer gráfica, sem trabalho desde Maio deste ano. Recebe subsídio de desemprego, continua a enviar currículos, a ir a entrevistas e a ficar com a amarga sensação de que a sua experiência no mercado de trabalho, o curso, o mestrado em Barcelona, a pós-graduação em Portugal, não têm assim tanto peso para quem contrata. Diz que os empregadores procuram “canivetes suíços” ou “polvos”. Gente que saiba fazer muita coisa ao mesmo tempo, que multiplique as mãos e o cérebro por 650 euros por mês. “Com três, quatro anos de experiência no mercado, propõem-nos à volta de 600, 650 euros, como se fôssemos recém-licenciados, abaixo do que seria expectável. A crise tem servido como desculpa para muita coisa”, repara. 

O percurso de Maria começou no Colégio dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, no curso técnico-profissional de Artes e Indústrias Gráficas. Seguiu-se a experiência de dois anos em Arquitectura na Faculdade do Porto. Não era por ali. “Era interessante, mas era preciso um amor à profissão que não era o meu”, desabafa. Inscreveu-se em Design Gráfico na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) de Matosinhos e depois partiu para Barcelona para um master em Design e Direcção de Projectos Expositivos. Os pais incentivaram-na a ter outro tipo de experiências e uma especialização no estrangeiro que poderia significar mais possibilidades em termos de empregabilidade. Um ano a estudar fora, um mês à procura de trabalho em Barcelona. Voltou em 2009. Fez um workshop em Design, vários trabalhos na área, uma pós-graduação em Web Design na ESAD, como trabalhadora-estudante. Em Maio deste ano, ficou desempregada. Continua à procura de emprego, tem enviado várias candidaturas. “O que se encontra mais são estágios curriculares e do IEFP”, adianta.

O marido de Maria está a estudar nos Estados Unidos com uma bolsa de doutoramento num projecto de cinco anos. “Continuo à procura de trabalho, há a hipótese de emigrar.” Partir é, neste momento, a última opção. Ter um mestrado é uma boa ferramenta, mas não é tudo. Por enquanto, não pensa voltar à faculdade. Esse regresso tem de fazer sentido na perspectiva de crescer enquanto profissional porque são as competências técnicas que lhe interessam. Na especialização que tirou em Portugal, sentiu que estava tudo formatado para o empreendedorismo, era preciso desenvolver um projecto e arranjar financiamento. Soube-lhe a pouco. “Não queria ser empreendedora, mas desenvolver competências para o trabalho que estava a exercer”, comenta. “Neste momento, preciso mesmo de trabalhar.”

Marco quer abrir um jardim-de-infância

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A designer gráfica Maria Manuel Rola está no desemprego apesar da sua formação académica e da sua experiência profissional nelson garrido

Marco António Freitas está a terminar o mestrado em Educação Pré-Escolar da Universidade do Minho. É o único rapaz da turma de 47 alunos inscritos no ano lectivo de 2014/2015. Não se sente peixe fora de água. Bem pelo contrário. “As pessoas olham para mim e pensam que se estou aqui é porque realmente quero estar aqui. A Educação Pré-Escolar foi sempre a área de que mais gostei, com a qual mais me identifiquei e ambicionei seguir.”

A vontade de ser feliz faz parte desta história. Marco tem 26 anos, é da Madeira e quer abrir um jardim-de-infância, seja no continente seja na ilha: O sonho não tem localização definida, o importante é concretizá-lo. “O que me interessa é ter trabalho na área onde me especializei. Trabalhar em Braga ou na Madeira é igual.” É persistente. Quando acabou o 12.º ano, esteve um ano a subir a nota de História, disciplina que fazia parte das provas de ingresso à faculdade.

Na candidatura de acesso ao ensino superior, colocou Educação Básica nas seis opções possíveis. Entrou em Braga, fez as malas e aterrou no continente. Os estágios que fez ao longo do ensino superior confirmaram a certeza de querer trabalhar com crianças. A formação seguinte era inevitável. É uma exigência do mercado com as alterações de Bolonha. “Sem o mestrado, não consigo exercer, só nas AEC. Não fazia sentido não o fazer e era chato para os meus pais que me estão a financiar.” Até 31 de Outubro tem de entregar a tese Construir a Identidade Descobrindo a Diversidade que defenderá em Janeiro do próximo ano. Ter mestrado nunca é de mais. “As pessoas consideram que ter um mestrado lhes dá mais segurança para fazerem algo que gostem, que as realizem no futuro. O saber não ocupa espaço, independentemente de, no futuro, terem ou não emprego na sua área.” Continuar a estudar é uma hipótese, Marco quer ter várias portas abertas. “Gostava de aprender um pouco mais, continuar a estudar num doutoramento que me realizasse como professor e como pessoa”, adianta. No início do próximo ano, terá de tomar decisões. Desemprego é uma palavra que anda no ar. “Qualquer estudante que se candidate ao ensino superior, ou que quer ter um mestrado, pensa no desemprego, é uma coisa que automaticamente lhe vem à cabeça. Todos sabem o estado em que se encontra o nosso país e ficam com as escolhas limitadas.” E se pudesse mudar alguma coisa nos mestrados, esticaria o tempo dos estágios. “É a prática que vai fazer com que apliquemos e percebamos o que aprendemos na teoria”, sublinha.  

Marco foi aluno bolseiro. Recebia uma bolsa do Governo da Madeira, outra bolsa da Universidade do Minho que, juntas, rondavam os 270 euros por mês. “Hoje em dia não é fácil obter uma bolsa boa”, comenta. Em praticamente todas as instituições de ensino superior do país que responderam ao inquérito da Revista 2, verifica-se um aumento do número de bolsas atribuídas a alunos de mestrados. Em 2014/2015, e dos dados disponíveis, foi a Universidade de Aveiro que atribuiu o maior número de bolsas: 1019 e um investimento de cerca de 1,9 milhões de euros. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro concedeu 519 bolsas que representaram pouco mais de um milhão de euros. A Universidade Nova de Lisboa atribuiu 311 bolsas que, no total, valiam 564.622 euros, a Universidade de Coimbra deu 259 bolsas que representaram um investimento de 109.402 euros, enquanto a Universidade de Évora aprovou 169 bolsas de, no total, 321.113 euros.

Os alunos estrangeiros a procurar Portugal para obter o grau de mestre também estão a aumentar: 9092 alunos estavam inscritos em 2011/2012, 9326 no ano seguinte e 10.104 em 2013/2014. A Universidade Nova de Lisboa já ultrapassou a barreira dos 20% de alunos estrangeiros em programas de mestrado. A subida tem sido significativa: 12,5% em 2012/2013, 16,6% em 2013/2014 e 21% em 2014/2015. Nas universidades de Aveiro e da Beira Interior, na Covilhã, a tendência também é de crescimento. Na primeira de 8,7% em 2013/2014 para 10,3% em 2014/2015. Na segunda, e no mesmo período, de 6,47 para 7,87%. Se na maioria, as inscrições dos alunos estrangeiros em programas de mestrado aumentam, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro verifica-se uma descida com algum peso: de 10,8% em 2013/2014 para 6,6 em 2014/2015.

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Marco António Freitas é o único rapaz entre os 47 alunos do mestrado em Educação Pré-Escolar da Universidade do Minho nelson garrido

Se anteriormente, a maioria dos estudantes chegava do Brasil e de Angola, seguindo-se Cabo Verde, Espanha, Itália, França e Alemanha, em 2013/2014, a ordem de preferência alterou-se com Espanha à cabeça seguida do Brasil. Angola aparece atrás de Itália e Cabo Verde, seguindo-se Alemanha e Polónia.

Juan Enrique Ruiz é um dos estudantes espanhóis que representam a maioria dos alunos que chegam de fora para uma especialização no nosso país. Chegou ao Porto a 1 de Setembro deste ano para frequentar o mestrado em Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. É aluno de Erasmus, estará no Porto durante seis meses, a cidade que conheceu de raspão há um ano durante dois dias de férias que ali passou. Depois volta a Madrid, de onde chegou, para terminar o mestrado na área de Economia. Juan, 23 anos, licenciado em Engenharia Industrial, quer aprender português. E está bastante motivado. Por enquanto, ainda recorre ao inglês para manter conversas e não tropeçar nas palavras. Está num curso intensivo, três horas ao final dos dias, para que possa juntar mais uma língua ao currículo (fala espanhol, inglês, italiano e estudou em Itália como aluno de Erasmus há cerca de dois anos). “Quero ser fluente em português. Saber várias línguas é muito importante.” Conhecer pessoas, compreender outras realidades, movimentar-se à vontade em várias geografias, também.

Depois do mestrado, Juan ainda não decidiu o que fazer. Talvez montar o seu próprio negócio, uma empresa de consultadoria, talvez tente o sistema financeiro na área da banca. Talvez regresse ao Porto e tente encontrar trabalho por algum tempo. De uma coisa tem a certeza: “Não quero estar num escritório a trabalhar das 9h às 6h.” O dinheiro não é objectivo máximo do seu percurso. As viagens dão-lhe estofo e bagagem para o futuro. “Quando saímos de casa, deixamos a nossa família, saímos da nossa zona de conforto, tornamo-nos independentes, crescemos imenso e aprendemos muitas coisas”, refere. Sabe do que fala. E faz por isso.

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O espanhol Juan Enrique Ruiz frequenta o mestrado em Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Porto fernando veludo/nfactos

Eber, o guatemalteco que acredita na justiça social

Na Universidade de Coimbra, onde o guatemalteco Eber Quiñonez Hernandez chegou a 15 de Setembro de 2011 para fazer o mestrado em Intervenção Social, Inovação e Empreendedorismo, na Faculdade de Economia, o número de alunos estrangeiros inscritos em programas de mestrado não tem sofrido oscilações. Em 2014/2015, 11,5% de alunos estrangeiros frequentavam os mestrados, percentagem igual ao ano de 2012/2013, registando-se uma ligeira quebra em 2013/2014 com 10,5%.

Eber, 33 anos, escolheu estudar em Portugal com uma bolsa financiada pelo Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, dos Estados Unidos da América. Os textos de Boaventura Sousa Santos que lia e que os amigos guatemaltecos partilhavam inspiram-no a escolher Coimbra. O sociólogo português despertava-lhe atenção. “Alguém do outro lado do mundo olhava para aquele outro lado do mundo, falava da nossa realidade, e fazia sentido.” Portugal também era apetecível por ser uma “porta de entrada para outras partes do mundo”. Desde 2011 que faz parte do grupo de estudos em Economia Solidária, EcoSol do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Em 2006, Eber terminou o curso de Psicologia na Universidade de S. Carlos da Guatemala, a quarta mais antiga da América. Participou em vários projectos sociais, um dos quais numa comunidade indígena com mulheres vítimas de violência sexual e familiar. Antes de partir para Portugal, coordenava um projecto de combate à violência e de inserção social, que envolvia crianças e jovens até aos 24 anos, em Santa Isabel, na periferia da capital Cidade da Guatemala. “A ideia era contribuir para que a violência não se perpetuasse.” Os jovens tinham bolsas para várias formações: mecânica, estética, técnicas de computação, lazer, desporto. Decidido a apostar na formação académica, fez as malas. “Não fazia ideia do que era Coimbra.” Encontrou uma cidade “com uma tradição muito ligada ao movimento estudantil”. “Fiquei surpreendido não apenas por ser uma cidade de estudantes, mas por ser uma cidade pequena e ter muita oferta cultural e académica.” E por encontrar pessoas de todo o mundo.

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O guatemalteco Eber Quiñonez Hernandez está a fazer mestrado em Coimbra em Intervenção Social, Inovação e Empreendedorismo nelson garrido

Acabou o mestrado em 22 meses, estudou a forma como o capitalismo, no caso europeu, e especificamente em Portugal, “submete e domina cada vez mais os pequenos produtores agrícolas, obrigando-os, através dos quadros regulamentares da Política Agrícola Comum, e das regulamentações implementadas no país, a reduzir a sua possibilidade de aceder ao mercado para escoar os produtos, precarizando, desta forma, e cada vez mais, a sua condição de rural e de subsistência”. Mestrado feito, quis passar dos pequenos produtores agrícolas ao consumo alimentar e, por isso, em 2013, inscreveu-se no doutoramento em Sociologia na mesma universidade. Estuda agora a polaridade dos temas rural e urbano, as formas de comercialização de bens agroalimentares por venda directa do produtor ao consumidor ou por venda indirecta através de um único intermediário.

“Empreendedorismo” é um nome que está no seu mestrado, mas a palavra não lhe soa lá muito bem. “É mais uma ferramenta do capitalismo para corroer as relações entre iguais. Este conceito, sem o devido cuidado, pode gerar muitos individualismos, em detrimento do colectivo, em que sobressai uma ou duas pessoas, quando, muitas vezes, por trás desses empreendimentos, participaram imensas pessoas que ficam invisíveis ou marginalizadas.”

Eber quis fazer o encontro entre teoria e prática, estudar a fundo temas que lhe interessam, aprofundar conhecimentos que, em seu entender, serão potenciados na sua vida profissional. A carreira académica não tem propósitos financeiros. “Pertenço à área humanista que não procura o fim ganancioso do dinheiro. Estou a lutar por uma melhor qualidade de vida, no sentido colectivo.” Estuda para apreender ferramentas que lhe permitam pensar que outro mundo e outras realidades mais justas são possíveis. “A componente das relações interpessoais foi também um factor muito importante porque me permitiu alargar a minha visão da sociedade portuguesa em geral, e da conimbricense em particular.”

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Neste momento, é bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) num projecto de gestão e comunicação entre a biblioteca e a universidade onde estuda e as diversas unidades de investigação com que a faculdade tem ligação. Por isso, desenvolve várias actividades na biblioteca.

E não mais voltou à Guatemala. Admite que é “um bicho estranho” e que tem o coração dividido. “Umas vezes sinto-me em casa, outras estrangeiro. Mas gosto de cá estar.” Garante que tem sido bem acolhido e que o seu cabelo comprido alimenta o imaginário índio-latino. Quer voltar ao seu país, mas antes gostaria de conhecer a realidade de outros países como Inglaterra e os países nórdicos. “Se ficar em Portugal, gostaria de poder contribuir para uma maior justiça social, seja em que contexto for, como, por exemplo, na área de educação da investigação, fazendo estudos comparativos com outras realidades.”

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