O lixo
Olhando para a televisão, não melhorámos muito no nosso gosto pelo melodrama e pela história crapulosa do dia.
Isto sucede em parte por duas razões. Primeira, porque as “notícias” são comparativamente baratas: um automóvel, câmara e um “repórter” e está o caso resolvido. O câmara regista — normalmente — os locais, que 99 por cento das vezes não põem ou tiram nada à história que se vai contar. O repórter faz meia dúzia de perguntas à família (quando ela não foge) e aos conhecimentos das vítimas. Tanto as perguntas como as respostas são sempre as mesmas e não esclarecem (nem podem esclarecer) coisa nenhuma. Segunda, o público parece que gosta: um gosto que vem da literatura popular do século XVIII e do inevitável “folhetim” dos jornais do século XIX. Olhando para a televisão, não melhorámos muito no nosso gosto pelo melodrama e pela história crapulosa do dia. Hoje, ilustres comentadores políticos escrevem seriamente sobre o “amor de mãe”.
Mas, no meio disto, a televisão reserva para si um espaço privilegiado em que se encarrega de promover a rivalidade e o ódio e, sobretudo, a agressão física sistemática: o futebol, bem entendido. Os treinadores de futebol (especialmente o do FC Porto e o do Benfica) devem ser com certeza as duas personagens mais longa e assiduamente ouvidas da vida pública portuguesa. Como o dr. Cavaco Silva, repetem sem excepção trivialidades do mais sólido optimismo e prometem, sem prometer, o mais glorioso futuro para amanhã. Durante meses, a televisão cria um clima de guerra e de tragédia e, quando chega a resolução, é inevitavelmente a violência que vem à superfície. Nessa altura, a autoridade lamenta e sacode a água do capote. E a roda recomeça. Não temos conserto.