O amor vence tudo. Mesmo a crise?
O desemprego ou a falta de rendimentos podem trazer ao casal problemas que até então não pareciam existir? Os especialistas dizem que não são a única causa, mas que podem contribuir para aumentar o conflito.
As notícias falam em mais austeridade, a ameaça de desemprego está presente ou já aconteceu, impostos e dívidas acumulam-se, a conta no banco emagrece e as despesas aumentam, os filhos precisam de apoio, a mulher reclama da falta de atenção do marido, e este de que a mulher o procura cada vez menos, o companheiro já nada diz à companheira quando esta chega a casa depois de um dia de trabalho. Toda esta pressão pode acabar com uma relação?
“A crise económica afecta a vida dos casais, mas sendo um problema que os afecta em conjunto e a toda a família, não penso que constitua por si um factor de ruptura conjugal”, responde o psiquiatra José Gameiro.
O autor do livro Até Que o Amor Nos Separe (2011) admite que “o stress diminui a disponibilidade para a relação e podem existir fases de insatisfação que o casal terá de compensar por momentos de maior proximidade”. Há vários anos a trabalhar como terapeuta familiar, José Gameiro conta que nas suas consultas “o dinheiro, como factor de tensão, não constitui um assunto muito frequente”. A excepção surge quando “os modelos de consumo e de poupança são muito diferentes, ou quando o casal entra em crise, em que tudo serve para criar conflito e o dinheiro também”.
Para o psiquiatra Daniel Sampaio “a falta de dinheiro e o desemprego introduzem uma tensão acrescida no relacionamento conjugal, que sente o seu quotidiano ameaçado”. As divergências surgem e arrisca-se o conflito e o afastamento. “A principal causa das divergências está centrada nos conflitos do quotidiano, nos quais a crise financeira é importante”, mas não será a única razão, explica. O psiquiatra, que este ano lançou Labirinto de Mágoas, As Crises do Casamento e como Enfrentá-las, sublinha que “todas as questões conjugais e todos os problemas são multideterminados, nunca há uma única causa. O mais provável é que aumente a conflitualidade”.
A nível clínico, a crise acrescenta outros problemas à lista de alguns casais. Daniel Sampaio e José Gameiro são unânimes em afirmar que com a crise as perturbações de ansiedade e os episódios depressivos aumentaram. José Gameiro sublinha, no entanto, que “este facto não é forçosamente um reflexo nas dinâmicas conjugais”.
Com ou sem problemas económicos, os que procuram ajuda profissional fazem as mesmas queixas. A José Gameiro elas falam em “falta de comunicação e de atenção”, enquanto eles denunciam o “desinteresse pela vida sexual”. Daniel Sampaio acrescenta que ambos os sexos se queixam de “falta de amor, do reconhecimento do outro e da ausência de compromisso”.
Como fica a intimidade dos casais?
As preocupações económicas podem ser um inimigo do afecto e do desejo sexual, mas o historial da intimidade de um casal pode ser determinante para que a parte física do amor não seja afectada. “Não podemos esquecer que a qualidade da relação, antes de existirem problemas como o desemprego e outras questões económicas, é muito importante”, sustenta o psiquiatra Júlio Machado Vaz. O sexólogo não tem dúvidas de que, se a qualidade da relação “for boa, é muito mais provável que as pessoas se juntem mais para resistir à tempestade”; mas, “se houver fendas, é mais provável que se aprofundem”.
A intimidade vive paredes meias com tudo o que o casal traz para casa e ser imune às pressões que ficam do outro lado da porta não é para todos. “Sabemos que nestes tempos de crise os níveis de depressão e ansiedade sobem. São prejudiciais para a parte sexual. Uma pessoa deprimida que se auto-removeu da vida em geral ou uma pessoa ansiosa pode ter dificuldades no sexo. Se pensarmos que as medicações para as depressões podem ter efeitos indesejáveis, esse risco acresce”, alerta o psiquiatra.