Novo modelo de nomeação de procurador para Eurojust pode ser inconstitucional

Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, contesta proposta do Governo.

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Joana Marques Vidal mostrou reservas em relação à constitucionalidade da proposta do Governo esta quarta-feira. Enric Vives-Rubio

A Eurojust tem como objectivo promover a coordenação entre as autoridades judiciárias dos Estados-membros da União Europeia (EU) em investigações relacionadas com criminalidade grave e organizada de natureza transnacional. Estas alterações têm o objectivo de adequar a legislação nacional a uma decisão do Conselho da UE, que pretende reforçar os poderes e a operacionalidade da Eurojust. É criada, por exemplo, uma coordenação permanente, que irá assegurar a actuação da unidade 24 horas por dia, sete dias por semana.

Mas é a alteração do modelo de nomeação do representante de Portugal naquele organismo que está a causar polémica. Na actual lei, o procurador-geral da República indica o nome de um magistrado do topo de carreira do Ministério Público ao Governo, depois de consultar o conselho superior. A nomeação é depois feita por despacho conjunto dos ministros da Justiça e dos Negócios Estrangeiros.

O projecto discutido no Parlamento, propõe que o procurador-geral da República passe a indicar três procuradores – de qualquer uma das categorias existentes no Ministério Público – ao Governo, que continua a fazer a nomeação. O novo modelo afasta do processo o CSMP que passa apenas a analisar a existência de impedimentos para o exercício do cargo.

A Ordem dos Advogados, num parecer, considera “incompreensível e injustificado” o afastamento do conselho superior, o órgão de gestão do Ministério Público, que tem competência para autorizar as comissões de serviços dos procuradores, mas vê neste diploma limitado o seu poder.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público também critica o“papel decorativo” atribuído ao CSMP num parecer ao anteprojecto de lei, que neste aspecto é muito similar à proposta discutida ontem. “Parece-nos claro que retirar ao Conselho Superior do Ministério Público o papel que tinha no processo de indigitação do membro nacional da Eurojust afronta efectivamente a garantia constitucional da autonomia do Ministério Público e viola o equilíbrio institucional que esse quadro constitucional inspirou e traduziu estatutariamente”, defende o sindicato no parecer.

O documento nota ainda que no modelo de nomeação proposto a selecção de três nomes passa a ser apenas do procurador-geral da República que os indica ao Governo, “que esteve no processo político de indicação do procurador-geral”.

O Conselho Superior da Magistratura levanta outro problema, considerando que o desaparecimento da exigência de que o cargo seja ocupado por um procurador-geral adjunto (PGA) - o topo da carreira no Ministério Público - tenha implicações na independência da actuação do representante de Portugal na Eurojust. “Um procurador adjunto, não tem em regra garantido, em termos formais e objectivos, ou mesmo materiais, um estatuto de independência equivalente a um PGA", lê-se no parecer do órgão que tutela os juízes. E remata-se: "Na expressiva formulação de Camus: ‘Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela’”.

O próprio CSMP deliberou na última reunião considerar inconstitucional a proposta de lei no que respeita à forma de escolha do representante do Eurojust.

O actual representante de Portugal no Eurojust é João Manuel da Silva Miguel, que exerceu funções durante três anos e cujo mandato terminou em Janeiro passado. A procuradora-geral da República diz que propôs "em tempo útil" à ministra da Justiça a continuação daquele magistrado no cargo, mas esta não aceitou. 
 
 

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