Arquivado inquérito ao caso das escutas que envolveram o presidente da Relação nos vistos gold

Presidente da Relação de Lisboa prometeu "todo o apoio" ao ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado que está preso preventivamente suspeito de corrupção. Procuradora suspeitava de pacto criminoso, mas o MP no Supremo arquivou o inquérito.

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Enric Vives-Rubio

Nessa conversa de 2 de Setembro, numa altura em que António Figueiredo ainda ignorava que iria ser constituído arguido e detido, juntamente com altos quadros dirigentes da administração pública, apesar de já existirem então notícias a dar conta do seu envolvimento no caso, o juiz demonstra apoio total ao ex-presidente do IRN.

Quando António Figueiredo diz ao magistrado que estaria a ser alvo de escutas telefónicas, o juiz-desembargador manifesta-lhe apoio em “tudo o que for necessário”, “pessoal e institucionalmente” sublinhando estar “totalmente disponível para tudo” e para que “conte ou disponha daquilo que considerar que possa eventualmente ter utilidade”. O PÚBLICO tentou sem sucesso contactar Luís Vaz das Neves.

A procuradora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal ordenou então a extracção de uma certidão do processo-mãe para a instauração de um inquérito separado, considerando que poderia estar em causa, entre ambos, “um pacto de ilícito criminal firmado em trocas de vantagens de natureza imaterial”.

Já o Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça, que apreciou o inquérito por um dos visados ser um juiz-desembargador, concluiu não ter havido qualquer crime nomeadamente o “indícios de favorecimento ou promessa de favorecimento”, lê-se na decisão de arquivamento do inquérito à qual o PÚBLICO teve acesso. Vaz das Neves foi ouvido como testemunha neste inquérito assim como António Figueiredo.

“O mencionado contexto circunstancial e temporal atrás referido leva-nos a concluir que a conversa escutada não assume qualquer relevância deontológica e muito menos de índole criminal”, diz ainda o MP no Supremo na decisão datada de sexta-feira.

O Ministério Público no Supremo entendeu que o “apoio institucional” demonstrado pelo juiz face ao ex-presidente do IRN se insere “sem dificuldade numa manifestação de conforto dirigida a alguém por quem tinha apreço e de quem não se antevia a prática de qualquer acto ilícito”. Diz ainda que se tratou “apenas de uma conversa cordial entre duas pessoas que mantinham relações institucionais próximas, não traduzindo na prática, nem sequer o propósito anunciado de praticar futuramente qualquer ilícito”.

Vaz das Neves disse ao PÚBLICO que reage ao arquivamente com “muita satisfação porque aquilo que se concluiu é a mais pura das verdades”. O juiz pediu segunda-feira autorização ao Conselho Superior da Magistratura para “tomar uma posição pública” sobre este caso. 

“Mas desde já lhe digo e lhe quero manifestar que tudo, mas tudo o que o soutor entenda que possa ser útil, porque eu conheço o soutor, estou totalmente disponível para tudo”, disse Vaz das Neves ao telefone com António Figueiredo. A decisão de arquivamento salienta que se tratou de uma mera “comunicação verbal” entre “duas pessoas próximas”.

Juiz pediu ajuda para registar criança com nome mirandês

Neste inquérito estava ainda em questão o facto de o juiz ter recorrido ao então presidente do IRN para avaliar a viabilidade do registo de uma criança com um nome na língua mirandesa. O DCIAP entendia que essa ajuda poderia configurar formalmente um “acto de consulta” que, sem ter sido paga, poderia constituir uma “vantagem” perante o “normal utente dos serviços do IRN.

A decisão de arquivamento destaca, porém, que Vaz das Neves é vice-presidente da Associação Portuguesa de Língua Mirandesa e que prometera ao presidente da associação, falecido a 1 de Março, ajudá-lo com o seu desejo de registar uma neta com um nome mirandês. Aliás, quando ouvido, o juiz explica que a conversa telefónica surgiu com esse propósito e que o seu relacionamento com António Figueiredo “advinha essencialmente do facto de se encontrarem com frequência em cerimónias oficiais, desde há cerca de dez anos”.

António Figueiredo explicou em síntese os procedimentos a tomar e foram então os pais da criança a solicitar depois o registo do nome tendo pago 50 euros pela consulta nos serviços centrais do IRN.

Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República confirmou ao PÚBLICO que existiam dois inquéritos sem arguidos constituídos abertos neste âmbito. Um deles, o relativo a Vaz das Neves, já estava então em fase final. 

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