Governo sem alternativa para cobrir desvio nas receitas do tabaco
Estado encaixou menos 82 milhões com o imposto sobre o tabaco nos sete primeiros meses do ano, quando previa acabar o ano com cerca de 100 milhões, para saldar dívidas do SNS.
Quando fez o Orçamento do Estado para este ano, o Governo previa encaixar 1706,2 milhões de euros de receita dos impostos sobre o tabaco e o álcool, mais 129 milhões em relação ao montante arrecadado em 2014. Deste valor, pelo menos 100 milhões da receita tinham como destino o Ministério da Saúde, para ajudar os hospitais em situação de falência técnica.
Agora, perante o cenário actual, o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa admitiu ao PÚBLICO que “não há, neste momento, nenhuma medida adicional ou alternativa prevista”. Este responsável diz, contudo, que se congratula com o facto de a quebra na receita do tabaco poder significar que há menos portugueses a fumar.
“Se há quebra de receita fiscal, isso é quebra de consumo. Excelente notícia na perspectiva da saúde pública. O ganho financeiro final será, já sem pensar nas vidas humanas ganhas, muito superior à perda de receita fiscal”, defendeu o secretário de Estado adjunto de Paulo Macedo.
No entanto, segundo o governante, “o Ministério da Saúde não tem direito a nenhuma verba específica de impostos sobre consumo”, assegurando, ainda assim, que o Ministério das Finanças “tem continuado a financiar o Programa Saúde tal como estava previsto e tem sido capaz de alocar as verbas necessárias para aumentos de capitais e pagamentos de dívidas. Com certeza que tem havido outras fontes de receita, de poupança também, e é sabido que Portugal tem reduzido o seu serviço de dívida”.
As receitas do imposto sobre o tabaco caíram 13% nos sete primeiros meses do ano, com o Estado a encaixar menos 82,2 milhões de euros do que no mesmo período do ano passado, quando a previsão para o conjunto do ano é de um crescimento de 7,5%. O objectivo é atingir 1505,1 milhões. Até Julho o encaixe foi de 543,3 milhões de euros, o que representa um grau de execução da receita de 36% em sete meses.
A tendência de quebra é a contrária à trajectória projectada pelo Governo para o conjunto do ano, mas é preciso ter em análise que já houve outros anos em que as receitas do imposto estavam em queda a meio do ano e acabaram por inverter, terminando em alta no final do ano (aconteceu, por exemplo, em 2008 e 2011).
Apesar destes dados históricos, a quebra agora verificada poderá ser atenuada até ao final do ano e ficar em linha com o ano passado, mas não deverá ir muito além disso.
Aliás, no Documento de Estratégia Orçamental (DEO), apresentado em Abril de 2014, o Governo já estimava esta receita extra de 100 milhões para 2015, mas havia sérias dúvidas sobre a capacidade de atingir este montante sem a aplicação de uma nova taxa sobre os produtos alimentares tidos como nocivos, como os que contêm alto teor de sal ou de açúcar.
A medida causou tensão no Governo (entre o Ministério da Saúde e o da Economia) e acabou por não avançar, mas o executivo garantiu que a solução podia passar apenas pelo imposto sobre o álcool e o tabaco. Com o orçamento deste ano, a tributação dos cigarros não sofreu alterações, mas a lista de produtos incluídos no imposto sobre o tabaco foi alargada.
Desde o início do ano, estão ali incluídos os cigarros electrónicos (é taxado o líquido que contém a nicotina), e subiu-se o imposto sobre os charutos e as cigarrilhas, bem como sobre o tabaco de enrolar.
De acordo com uma fonte do sector, isso fez com que houvesse uma mudança de hábitos de fumadores, que passaram do tabaco de enrolar para os maços de cigarros das marcas mais baratas, provocando uma descida da receita fiscal.
O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no último Governo socialista de António Guterres, lembra que o imposto sobre o tabaco “tem sempre, ao longo do ano, uma evolução algo atípica, decorrente, nomeadamente, de declarações para consumo feitas pelas tabaqueiras em certos anos (2014), e não em outros (2015). E isto pode ter a ver com alterações de preços ocorridas em certos anos (no ano passado por exemplo, não neste), pelo que, devido a tal ‘antecipação’, a comparação não é possível, uma vez que este ano as declarações para consumo têm sido muito mais regulares ao longo dos meses”.
Fernandes Ferreira estima que “só no final do ano os valores tenderão para a normalidade”, uma vez que, até esta altura do ano, “a comparação de 2015 (em que não houve antecipação, porque os preços não variaram) com um período em que houve grande ‘antecipação’ (2014) não tenha significado”. Fernandes Ferreira considera que não é possível fazer, para já, juízos de boa ou má orçamentação.
Por seu lado, a advogada de direito fiscal Mariana Gouveia de Oliveira, da sociedade Miranda Correia Amendoeira & Associados, não encontra uma razão explícita do ponto de vista fiscal para esta tendência. “O imposto sobre o tabaco não tem o objectivo de receita e repartição de riqueza de outros impostos, como o IRS; um dos seus objectivos é condicionar comportamentos e, por via fiscal, desincentivar e tornar mais difícil o acesso ao consumo [através do aumento da tributação]”. Para a advogada, o facto de a receita estar em queda, como aconteceu em 2012 e 2013, “é um sinal de que a política fiscal está a ser bem-sucedida, porque a tributação do tabaco deve ter essas finalidades extrafiscais”.
Os últimos resultados do Eurobarómetro, publicado em Maio (e relativos a 2014) mostram que Portugal e a Eslovénia foram os únicos países da União Europeia (UE) onde se registou um aumento da proporção de fumadores (25% de fumadores em Portugal).
A partir de 1 de Janeiro, vai entrar em vigor a nova lei antitabagista. Com as novas regras, os maços de tabaco passam a ter imagens chocantes (por exemplo, uma mulher a cuspir sangue, uma criança numa cama de hospital, um perna amputada, lesões nos dentes, nos pulmões). A nova legislação vem ainda regulamentar os cigarros electrónicos têm de passar a ter uma advertência a indicar que contêm nicotina.