Juiz recusa acesso da defesa de Sócrates a todo o processo
Advogado do ex-primeiro-ministro queria consultar o processo, contestando a manutenção do caso em segredo de justiça e defendendo que os prazos de inquérito tinham sido ultrapassados.
O magistrado indeferiu assim o primeiro requerimento apresentado no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) em Lisboa pelo advogado do ex-primeiro-ministro, João Araújo. A defesa pretendia acesso ao manancial de informação que a investigação reuniu contra Sócrates, o que lhe permitiria em tese uma melhor contestação.
No comunicado emitido pelo TCIC quando foi decretada a prisão preventiva, em que o ex-governante se encontra há quase um mês, percebe-se que à defesa apenas foi facultado “o despacho de apresentação”, factos e “enquadramento jurídico-criminal imputado”.
Este requerimento foi apresentado na quarta-feira da semana passada, sendo que a defesa enviou no início desta semana um segundo requerimento em que “pede a declaração de nulidade da decisão de prisão preventiva”, invocando o “não cumprimento de formalidades”.
No primeiro requerimento, a que o PÚBLICO teve acesso, João Araújo alegava como nulidade o facto de o processo continuar em segredo de justiça, apesar de, no seu entendimento, o prazo máximo de inquérito já ter sido excedido. “Pretende o arguido consultar todos os elementos do processo e ser ouvido, prestando todas as declarações devidas, para esclarecer as imputações que lhe são feitas”, referia ainda o requerimento.
O advogado realçava que a lei impõe a publicidade do processo, sob pena de o mesmo ser nulo. Com este argumento, pedia que fossem “declarados nulos todos os acto praticados desde, pelo menos, 31 de Maio de 2014, designadamente, as intercepções telefónicas e outros actos de investigação, as ordens de detenção, as buscas e apreensões, os actos e autos de constituição de arguidos, os respectivos interrogatórios e a decisão de aplicação das medidas de coacção”. Tal implicava a libertação imediata do ex-primeiro-ministro e a destruição de grande parte da prova contra Sócrates.
Carlos Alexandre discordou. O segredo de justiça mantém-se mesmo para os arguidos do processo. No despacho com 15 páginas, o juiz transpõe e apoia a posição do procurador Rosário Teixeira, titular do processo no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Nove páginas são dedicadas a enunciar os argumentos da defesa e a maioria das restantes descreve a posição do Ministério Público que vê assim garantida sua pretensão de manter o segredo.
Há muito que João Araújo se queixa de que Sócrates está a ser atacado publicamente sem se poder defender também publicamente. Sublinhava também que de acordo com o que lhe foi permitido saber não existem elementos do processo que indiciem os crimes imputados, nomeadamente corrupção.
Em causa estava o facto de João Araújo contestar a declaração de especial complexidade proferida por Carlos Alexandre no processo em Julho deste ano, quando ainda não havia qualquer arguido constituído. Como tal declaração implica o alargamento dos prazos máximos de prisão preventiva e de inquérito, a lei determina que os arguidos têm de ser ouvidos antes da decisão. O advogado sublinhava então que “há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal para duração máxima do inquérito que neste caso é de dez meses e terminou em 31 de Maio último”. Sócrates foi detido em Novembro.
Carlos Alexandre entendeu reparar, aquando dos interrogatórios, a invalidade da declaração de especial complexidade proferida a 3 de Julho, o que a lei permite. Nesta resposta ao requerimento, o juiz revelou um entendimento diferente do da defesa sobre quando começa a ser contado o prazo de duração do inquérito.
O Código de Processo Penal estipula que “o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido”. O inquérito foi aberto em Julho de 2013, mas Sócrates só foi constituído arguido depois da detenção.
A defesa, porém, defende que Sócrates devia ter sido constituído arguido há muito mais tempo: “pelo menos desde a data em que [o Ministério Público] promoveu a realização das intercepções telefónicas” que visaram o ex-governante durante 11 meses.