Josef Fritzl começa hoje a ser julgado na Áustria

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Veredicto deverá ser pronunciado esta quinta-feira Dominic Ebenbichler/Reuters

A cave onde Elisabeth Fritzl esteve fechada desde 1984 até Abril do ano passado tinha 1,7 metros de altura e nenhuma janela. O pai, que a construiu, diz que queria proteger a filha das drogas. Ela tinha 18 anos e nunca mais viu o sol, até 2008; nem ela nem três dos seis filhos, entre os 5 e os 19 anos, que nasceram das constantes violações. Chegaram a ser sete, mas uma das crianças morreu pouco depois do parto e Fritzl é acusado de ter incinerado o corpo numa caldeira.

Josef Fritz disse à mulher, Rosemarie, que a filha fugira para se juntar a uma seita religiosa. Obrigou mesmo Elisabeth a escrever um bilhete a pedir que não a procurassem. Três das crianças que nasceram foram trazidas para o andar de cima, mais uma vez acompanhadas de um bilhete de Elisabeth a pedir aos pais para tratarem dos bebés. Josef e Rosemarie Fritzl adoptaram um, ficaram com a guarda legal de outros dois e ninguém parece ter desconfiado.

Na cave estava Elisabeth e outras três crianças, até que, em Abril do ano passado, a mais velha, Kerstin, de 19 anos, adoeceu e teve de ser hospitalizada. A “casa dos horrores” foi descoberta. A Áustria e o mundo ficaram chocados. Josef Fritzl, então preso, começa hoje a ser julgado no tribunal de St. Poelten, perto de Viena, onde deverá ouvir a sentença ainda esta semana. Acredita que vai passar o resto da vida na prisão. Confessou todos os crimes, menos o de homicídio.

Engenheiro electrotécnico reformado, Fritzl trabalhava muitas vezes até tarde na oficina junto à cave onde Elisabeth estava encarcerada, motivo por que as horas infindas que ali passava, por vezes a ver filmes de aventuras com os filhos e netos, enquanto a filha cozinhava, não levantavam suspeitas. Às vezes, violava Elisabeth na frente das crianças.

Consciente e imputável

Em Outubro, um relatório psiquiátrico confirmou que tinha consciência dos seus actos, pelo que era imputável e podia ser julgado. A lei austríaca prevê que possa continuar detido se houver justo receio de que volte a cometer qualquer dos crimes. A decisão do juiz terá de contar com a aprovação da maioria do júri, composto por oito pessoas.

As audiências do julgamento decorrerão todas à porta fechada, com excepção de alguns minutos no início e da leitura da sentença, que poderão ser acompanhados pela comunicação social. Elisabeth não voltará a ver o pai, porque o seu testemunho foi gravado num vídeo de 11 horas que será mostrado ao júri. Está com os filhos num local mantido secreto, depois de todos terem passado vários meses numa instituição psiquiátrica e de lhes ter sido dada uma nova identidade.

Josef Fritzl tem uma perturbação da personalidade de tipo narcísico, em que a principal fantasia é a de poder absoluto sobre os outros, explica o psiquiatra Vítor Amorim Rodrigues, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada de Lisboa. Não é algo que o torne inimputável, por isso os psiquiatras decidiram que pode ser julgado. “Foi uma decisão correcta. Teve sempre hipótese de contrariar o que fazia. Tinha consciência.”

“Fritzl não sentirá culpa"

Pensará agora que teve azar, “que as coisas se voltaram contra ele”, considera Vítor Rodrigues. Não sentirá culpa. “Está preocupado com a imagem que os outros têm dele, porque sabe que consideram censurável o que fez. Procura branquear um pouco essa imagem negativa quando diz que até poderia ter morto os filhos.” E diz ter sido vítima do passado nazi.

Tinha três anos em 1938, quando Hitler anexou a Áustria e Amstetten saudou a sua chegada. Na cidade de Fritzl foram construídos dois campos de concentração, não muito longe da cave onde quase 50 anos depois Elisabeth viria a ser fechada. “Quando ele fala do passado nazi até parece desculpa, mas a verdade é que cresceu numa cidade onde havia mulheres judias que eram obrigadas a prostituir-se e isso era apoiado”, sublinha Vítor Amorim Rodrigues.

Passado um ano, o caso de Elisabeth Fritz continua a deixar mais perguntas do que respostas. Por exemplo, que consequência pode ter para um ser humano 24 anos de clausura? “Nem consigo imaginar”, responde o psiquiatra João Marques Teixeira, professor da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto. O facto de Elisabeth Fritzl não ter aceite o sequestro é um sinal de vitalidade psíquica, diz. O resto, no entanto, irá depender da sua personalidade e capacidade de recuperação.

“Houve o desejo de acabar com a situação, de resolver o problema”, sublinha Marques Teixeira, que considera a fuga do sequestro um factor de prognóstico positivo. “Muitas vezes, os seres humanos defendem-se e criam mundos de fantasia. Esse mundo tem agora de ser reequacionado, mas protegeu-a.”

Para Elisabeth Fritzl, o julgamento poderá não passar de um pormenor entre todo o caminho que tem para percorrer. “É a reparação de um dano, a reposição da justiça. Mas do ponto de vista da recuperação tem pouca importância”.

Durante o sequestro, demonstrou uma capacidade muito grande de resistir. “Foi-se mantendo uma boa mãe e até procurou dar alguma instrução aos filhos”, recorda o psiquiatra Vítor Amorim Rodrigues.

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