Isolamento Infantil
Fraca resiliência emocional faz com que a criança sinta de forma muito intensa as dessintonias na relação com os outros.
Normalmente, são crianças que preferem o contacto com o adulto, a quem sentem como securizante. São crianças com pouca voz, pouca presença, pouco carisma. Em duas palavras, são crianças sobretudo inseguras e sós. Nem sempre os pais destas crianças as trazem ao psicólogo, encontrando justificações na personalidade dos seus filhos, ou numa fase de desenvolvimento que estarão, supostamente, a passar, ou identificando-se a eles (“eu também era assim”). Porém, em meu entender, o isolamento social é sempre um sinal preocupante. Somos seres de relação e é na nela que encontramos prazer, dinamismo, desafio e crescimento/expansão.
O desenvolvimento infantil desejavelmente ocorre no sentido positivo e expansivo: em termos da expressão da vontade e das capacidades próprias; do reconhecimento das competências sociais, descobrindo no outro um parceiro de brincadeira e de descoberta; de desejo de explorar o meio que o rodeia, humano e físico. Quando a criança se sente alegre, segura e confiante, o mundo está ao seu alcance para ser descoberto e é-lhe natural transformar as dificuldades em desafios para ultrapassar. Tem mais capacidade para gerir as diferenças e os temperamentos das outras crianças. Não se isola; transforma. Não se assusta perante a dessintonia relacional e trabalha ativamente no sentido de alcançar nova sintonia.
Quando uma criança se isola é porque sente dificuldade em gerir as exigências emocionais que a relação com os outros lhe coloca. Isso pode acontecer por muitas razões, mas percebemos de antemão que a sua auto-estima está fragilizada e que tem um estilo inseguro e evitante de lidar com os outros. Isola-se e evita porque sente que a relação com o outro é de uma exigência emocional à qual não consegue dar a resposta satisfatória – não consegue sentir-se competente na sua capacidade de ser interessante e gostada pelo outro. Sente-se falhada e aquém. Sente-se diminuída e inferiorizada.
A criança procura proteger-se emocionalmente da deceção e da humilhação sentidas no confronto direto com a qualidade dinâmica das relações (têm altos e baixos) e face à tomada de consciência da sua inabilidade. Efetivamente, fraca resiliência emocional faz com que a criança sinta de forma muito intensa e profunda as dessintonias na relação com os outros. Não são vividas como parte do processo/vida (onde sempre existe uma oscilação entre sintonia e dessintonia, até se criarem novas sintonias), mas como falhanço pessoal e relacional, corroborando internamente a crença no seu fraco valor e competência para gerir os desafios e as frustrações nas relações com os outros.
À deceção geralmente está associada a zanga face a si mesmo e ao outro, muitas vezes inconsciente, que faz com estas crianças tenham um sentido crítico (culpa) em relação a si mesmas, mas também em relação aos outros, destruidor, dificultando a emergência de uma perspetiva mais construtiva (ao invés de destrutiva) e de estratégias de gestão das relações mais criativas e plásticas.
Da minha prática clínica, estas dificuldades manifestam uma intricada ligação entre características genéticas (introversão) e estilo relacional inseguro e evitante desenvolvido na relação de vinculação com as figuras precoces significativas (que provavelmente também apresentam um estilo maioritariamente inseguro e evitante de relação), beneficiando de um trabalho psicoterapêutico assente no entusiasmo pelo estímulo das competências que ficaram em suspenso no desenvolvimento do sujeito.
Psicoterapeuta, Catarina.nasc.rodrigues@gmail.com