“Gosto de pensar que o PS se preocupará com a igualdade”
São quase nulas as hipóteses de a Assembleia da República aprovar antes das legislativas de 2015 a adopção de crianças por casais homossexuais, sustenta Isabel Fiadeiro Advirta. A nova presidente da associação ILGA entende que o PS de António Costa será decisivo em matérias de parentalidade.
Espera que a Assembleia da República aprove o projecto sobre adopção apresentado em Setembro pelo Bloco de Esquerda?
Penso que nesta legislatura não vai ser. A co-adopção, que seria mais pacífica, por se referir a crianças que já existem e não à criação de novas famílias, não passou [em Março].
Gostaria de ver o tema da homoparentalidade legislado até ao fim do seu mandato?
Não depende de nós. O que depende de nós é acompanhar o que vão ser as eleições legislativas e continuar o nosso trabalho de chamada de atenção e de informação junto dos partidos e da sociedade.
A moção apresentada em Novembro por António Costa, no congresso em que foi eleito secretário-geral do PS, fala no acesso à adopção por casais do mesmo sexo e em Procriação Medicamente Assistida (PMA) para lésbicas e mulheres solteiras. Isto é um efeito da actuação da ILGA?
Não só, não tenho essa arrogância. É um efeito de tudo o que tem acontecido na sociedade portuguesa nos últimos anos. Ninguém está isolado do mundo, por isso o PS olha para os congéneres de outros países, vê quais são as posições e posiciona-se. Principalmente, gosto de pensar que o PS se preocupará com a justiça, a igualdade e os direitos das pessoas.
Quer a adopção, co-adopção e PMA num só pacote legislativo ou num processo faseado?
Se dependesse de nós, nem sequer estávamos a ter esta conversa.
Mas em 2010, a ILGA apoiou a lei do casamento gay, que impede explicitamente os homossexuais de se candidatarem à adopção de crianças. Não é contraditório?
Começámos a reivindicar as questões de parentalidade em 2003 ou 2004. Em 2010, quando aparece a questão do casamento, a parentalidade não estava em cima da mesa.
A vossa revindicação, antes de 2010, não era casamento e parentalidade de uma só vez?
Era, porque não pensamos os direitos por fases. O nosso papel é defender aquilo que acreditamos ser melhor para as nossas famílias e para a sociedade. Obviamente, não achamos que deva ser dado um passo hoje e outro amanhã, mas muitas vezes apostamos naquilo que é possível a curto prazo, sem deixar de falar nas outras coisas. Não vamos exigir o tudo ou nada. A impossibilidade, em 2010, de termos a parentalidade resolvida juntamente com o casamento, como pretendíamos, teve muito a ver com uma falta de trabalho sobre os temas da família e das crianças.
Falta de trabalho da sua associação?
Falta de visibilidade destas questões e de explicar às pessoas de que é que estamos a falar. Ainda hoje, apesar de todas as discussões e artigos de opinião, muitas pessoas resumem a parentalidade LGBT à adopção gay: um casal de homens que quer ir a uma instituição buscar uma criança. Também é isso, mas a adopção é apenas uma parte. Há a parte das famílias que já existem [e que reivindicam a co-adopção]. E há a expectativa de muitas pessoas de recorrerem à PMA.
Pensa que a sociedade portuguesa já reconhece como normal a existência de crianças em famílias homossexuais?
Os argumentos que costumo ouvir são os de que a sociedade não está preparada, as crianças vão ser também homossexuais e as crianças precisam de um pai e de uma mãe para terem um modelo masculino e feminino.
No subtexto de muitas críticas não está também a ideia de que os homossexuais podem praticar abusos sexuais contra crianças?
É possível que haja esse fantasma, mas há alguns anos que não oiço falar disso. Esse argumento coloca a questão da parentalidade apenas do lado dos homens, quando, na verdade, pela minha experiência, a maioria das famílias de que estamos a falar são constituídas por mulheres e crianças, diria cerca de 80%. De qualquer forma, é fácil ultrapassar o argumento: sabe-se que os abusos sexuais são principalmente cometidos por homens heterossexuais contra raparigas.
Há resultados da acção popular contra o Estado intentada em 2013 pela ILGA, por considerar que havia violação de direitos humanos ao não se permitir a co-adopção?
Posso dar-lhe esta novidade: o tribunal administrativo [de Lisboa] julgou-se incompetente para seguir com a acção e decidimos não recorrer para já. Se voltarmos a pegar neste caso, e é uma hipótese, vamos fazê-lo de forma diferente. A nossa vontade é resolver esta questão [co-adopção] por via legislativa. É mais rápido e mais legítimo.
Concorda com a visão de que a proximidade da ILGA ao PS foi decisiva para a aprovação do casamento gay?
Não vejo que nos tenhamos aproximado do PS. Foi determinante o trabalho que vinha a ser feito ao longo de anos e que fez com que algumas pessoas naquele partido, naquele momento, achassem que era o momento de avançar.
Como comenta a ideia disseminada de que existe um lobby gay em Portugal a influenciar vários sectores da sociedade, incluindo os partidos?
Lobby gay entendido como um conjunto de pessoas que faz manobras de bastidores, não existe. Lobby gay que tenha poder e dinheiro, pelo menos que a ILGA tenha dado conta, não existe. Nós somos uma associação bastante parca em recursos, até nos dava muito jeito ter mais recursos. Há é uma outra coisa: a tradição nos EUA, por exemplo, de as pessoas assumirem as suas perspectivas e trabalharem nesse sentido.
Ou seja, não há reuniões secretas da ILGA com partidos e deputados.
Não, não. Connosco, não existe. E que eu saiba não existe.
Está preocupada com os efeitos das políticas de austeridade sobre as minorias sexuais?
Há uma ideia muito enraizada de que as crises diminuem os direitos. É verdade que há esse perigo e é preciso estarmos atentos. É o que fazemos. Mas as crises também acabam por ser um terreno em que as configurações se reinventam.
Isso pode beneficiar as pessoas LGBT?
Directamente, não sei, mas acaba por gerar solidariedade e alguns mecanismos de compensação que podem diminuir a pressão da austeridade. Em época de crise tudo muda, mudam os valores e muda a solidariedade, que pode aumentar e tem aumentado. O facto de a crise se reflectir no financiamento de associações sem muito poder económico acaba por obrigar a fortalecer as parcerias. Isso traz outras pessoas para a nossa luta e faz-nos ter consciência de outras causas. A austeridade afecta-nos a todos, pode colocar algumas pessoas LGBT, que já são vulneráveis, em posições ainda mais vulneráveis. Mas isto é uma questão transversal à sociedade. Na ILGA, concentramo-nos naquilo que afecta de facto as pessoas LGBT.
Um grupo vulnerável é o dos homens que têm sexo com homens, na designação médica. Porque é que a ILGA está ausente de campanhas de prevenção da sida?
Estamos ausentes? Não acho. O nosso financiamento é feito por projectos específicos [financiados pela União Europeia] e não temos nenhum projecto que nos assegure financiamento na área da prevenção. A verdade é que a ILGA nasceu ligada às questões do VIH/sida. Nessa altura, não havia mais nenhuma associação a fazer trabalho de prevenção. Hoje há várias associações a fazer, e bem, o papel de prevenção e que trabalham só nessa área.
Muitas pessoas criticam a sua associação, e outras, pela falta de atenção a temática transgénero. Aceita a crítica?
Não aceito, porque o tema está sempre presente no nosso trabalho. Continuamos a defender a inclusão da identidade de género no artigo 13º da Constituição [sobre as características em função das quais nenhum cidadão pode ser prejudicado ou beneficiado]. A inclusão da identidade de género na recente alteração do Código Penal como um dos motivos de agravamento dos crimes de ódio é um avanço importante. E teve também a ver com o nosso trabalho sistemático. Quando a ILGA faz trabalho de formação junto de duas dezenas de funcionários da Segurança Social de Beja, Évora, Setúbal e Lisboa – como aconteceu há poucas semanas –, falamos sempre de orientação sexual e identidade de género. Agora, a orientação sexual é diferente da identidade de género, em génese. A orientação sexual, por uma questão até de representatividade, acaba por ser mais visível no nosso trabalho.
Quer destacar algumas das próximas iniciativas da ILGA?
Vamos manter os nossos dois eventos de grande visibilidade: o Arraial Pride [anualmente, em fins de Junho, em Lisboa] e os Prémios Arco-Íris, já a 10 de Janeiro, no Teatro do Bairro [em Lisboa], que serão novamente apresentados pelo Ricardo Araújo Pereira. Em 2015 vamos criar um conselho consultivo, que não temos, com pelo menos 15 pessoas. Vai ser um órgão para definir prioridades estratégicas, mas ainda não posso dizer nomes porque não fizemos os convites. E posso adiantar que em 2016 vamos organizar um encontro europeu de famílias, em conjunto com a Rede Europeia de Associações de Famílias LGBT, nos arredores de Lisboa.
Será esse encontro organizado a pensar em 2016 como o ano das leis sobre homoparentalidade?
Espero é que o encontro seja celebratório e não de antecipação.
Isabel Advirta é a primeira mulher à frente da ILGA
“A parentalidade é uma das questões mais importantes em cima da mesa”, afirma Isabel Fiadeiro Advirta, a primeira mulher à frente da ILGA. “Estar aqui representa um investimento da associação na visibilidade das questões de género”, diz. “As pessoas muitas vezes usam a palavra gay e esquecem-se de que ela contém também as mulheres lésbicas.” Eleita a 15 de Novembro, sucede a Paulo Côrte-Real, que passa agora a vice-presidente. “Em termos do posicionamento político, não haverá ruptura com a anterior direcção”, garante. Activista desde 2002, Isabel Fiadeiro Advirta foi vice-presidente da ILGA nos últimos quatro anos. Dedica cerca de três horas por dia à associação, como voluntária e sem qualquer remuneração. Estudou comunicação social na Universidade Autónoma e Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Desde 1997 é funcionária da Câmara de Lisboa na área de relações públicas e protocolo. “O que me dá mais prazer é a luta política e ver mudar as leis e as políticas no sentido da igualdade e da justiça”, sublinha.