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Hospital de S. João pode voltar a ter autonomia perdida depois da chegada da troika

Para este sábado está marcada uma reunião entre o Conselho de Administração e os 66 directores que se demitiram em bloco em protesto contra a falta de condições de trabalho nesta unidade hospitalar do Porto.

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Hospital de S. João no Porto Paulo Pimenta

O presidente da Administração Regional de Saúde do Norte também participou no encontro que durou três horas. Resta saber se as garantias dadas serão suficientes para acalmar a equipa directiva, que, apesar de não ter apresentado a demissão, quis deixar claro que compreendia e estava solidária com os demissionários. Ao final da tarde desta sexta-feira, o S. João  limitou-se a anunciar que para este sábado está já marcada uma reunião do Conselho de Administração com os presidentes das oito Unidades Autónomas de Gestão e os 58 directores de serviço clínicos e não clínicos que se demitiram na quinta-feira à tarde.

Para se  perceber até que ponto o retorno da autonomia perdida com as imposições da troika é importante para os hospitais basta dar um exemplo: actualmente, para poderem contratar um simples funcionário administrativo estas unidades que até têm a designação de EPE (Entidades Públicas Empresariais) precisam da luz verde não só do Ministério da Saúde mas também do das Finanças. Mesmo os hospitais como o São João que tem apresentado boas conta e tem dinheiro em caixa.

“A lista de questões que [António Ferreira]  levou para a reunião é sensata. O hospital tem saldo positivo, o problema é que o país tem saldo negativo, há hospitais muito mal governados. Há anos que o S. João cumpre as metas, merecia ter um tratamento diferenciado. Se não, não compensa cumprir”, argumenta o director da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e director do serviço de pneumologia do S. João, Agostinho Marques. A demissão em bloco não resultou de “uma birra, queremos ter condições mínimas”, garante.

Que condições são essas? O que está a acontecer no hospital, descreve, é que há “equipamentos que começam a faltar, aparelhos de endoscopia que deixam de ser renovados, médicos que se reformam, e, quando se quer contratar outros, não se consegue”. Há, prossegue, “processos para a contratação de assistentes operacionais parados desde 2011". Também as listas de espera estão a aumentar, diz. “Isto tem de parar. É insuportável! Queremos clareza, não meias tintas. Precisamos de factos, as palavras são frágeis”, sustenta.

A notícia da demissão em bloco foi, aliás, tema de aceso despique entre líderes da oposição e o primeiro-ministro no debate quinzenal no Parlamento  esta sexta-feira. Provocado por António José Seguro e por João Semedo, Pedro Passos Coelho admitiu no Parlamento que “muitas das razões [elencadas pelos que se demitiram no S. João] são reais”, mas avisou que os problemas não vão ser resolvidos de um dia para o outro. “São problemas estruturais, que não se podem resolver de uma  penada”, explicou.

Considerando “gravíssima” a situação que se vive na unidade do Porto, o líder do Bloco de Esquerda, João Semedo, defendeu que só há duas alternativas: ou o Governo demite o ministro da Saúde ou o Conselho de Administração deve ser demitido pelo Governo. Passos Coelho retorquiu que a demissão não é solução, mas admitiu que os directores de serviço têm alguma razão. “É verdade que temos canalizado mais meios para poder dar resposta no interior do país (…) mas é preciso darmos mais flexibilidade aos que mais cumprem”, reconheceu.

Recordando os elogios que o primeiro-ministro tem feito aos profissionais do CHSJ, Semedo desafiou Passos Coelho a ir ao S. João repeti-los. “Se o senhor primeiro-ministro for ao hospital, garanto que não sai de lá, vai ficar internado porque os profissionais pensarão que o seu estado de saúde mental não é o mais adequado às funções de um primeiro-ministro”, gracejou. 

O descontentamento no CHSJ começou a ser evidente há cerca de dois meses. Numa carta enviada a António Ferreira em 24 de Abril e agora tornada pública, os presidentes das Unidades Autónomas de Gestão do centro hospitalar diziam já que a situação tinha atingido a “insustentabilidade” e que estavam confrontados com “uma completa ausência de meios efectivos de gestão”. Alegavam, entre outras coisas, que "tem sido impossível a substituição de equipamentos médicos vitais, em função do seu normal desgaste” e que os sistemas de informação “não permitem responder às necessidades dos serviços clínicos”.  Também a nova redução do financiamento proposta para o contrato-programa deste ano “não valoriza o esforço efectuado pelo CHSJ, desde 2006”. Nessa altura, António Ferreira quis apresentar a demissão, mas o ministro convenceu-o a voltar atrás.

O primeiro sinal claro e público de que algo estava mal aconteceu quando o director do serviço de urgência, José Artur Paiva, pôs o lugar à disposição, há um mês, alegando que já  não tinha condições para fazer escalas. “A partir dessa altura, todos os outros foram tomando posições do mesmo género, o que se alargou aos directores de serviço, cada um pelas suas razões”, sintetiza Agostinho Marques. Até que a situação culminou com a demissão em bloco de quinta-feira. 

Sublinhando que acompanha “com muita preocupação a situação, porque este é o hospital nuclear da faculdade para o ensino e a educação médicas”, o conselho executivo da Faculdade de Medicina do Porto apelou, a propósito, ao Governo para que encontre "soluções reais e sustentáveis" para os problemas agora identificados.

Ordem louva médicos que quebraram “lei da rolha”
A Ordem dos Médicos (OM) não perdeu tempo e já marcou para segunda-feira uma conferência de imprensa em que pretende ter presente a directora clínica do Hospital de São João, Margarida Tavares, para que esta elenque, preto no branco, quais são afinal os problemas concretos que afectam a prestação de cuidados de saúde e podem pôr em risco os doentes ali tratados.

Em comunicado, o presidente do Conselho Regional do Norte da OM, Miguel Guimarães, congratula-se pelo facto de um grupo de profissionais ter assumido “uma posição clara e unânime na defesa da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos doentes” e de, “na defesa do interesse público e não da instituição, não ter adoptado a 'lei da rolha' que o ministro da Saúde quer impor na saúde”.

Manifestando a sua total solidariedade com os demissionários, saúda em particular os médicos que, “no cumprimento do seu Código Deontológico, têm o dever de denunciar à Ordem dos Médicos as irregularidades, deficiências e insuficiências que possam colocar em risco a saúde dos doentes”.

Miguel Guimarães aguarda que "rapidamente lhe sejam comunicadas todas as situações que possam pôr em risco a qualidade da prestação de cuidados de saúde à população”.

Reclamando do poder político equidade no acesso e no financiamento e “um plano de reforma hospitalar que respeite as necessidades da população”, defende que é essencial romper com “a visão da sustentabilidade ‘atrapalhada e cega’ a qualquer custo” e da “diminuição imediata da despesa sem qualquer preocupação pelos danos colaterais”.

 

 

 

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