Há falhas na intervenção terapêutica junto dos agressores acompanhados pela justiça juvenil
Nove em cada dez têm perturbação psiquiátrica e 31% consomem substâncias, revela estudo.
Mais de nove em cada dez dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o que é um dado astronómico”, diz Daniel Rijo, professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho que integra o PAIPA — Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela DGRSP e cofinanciado pela Comissão Europeia. Isto não significa, contudo, que estes jovens, que o Estado tenta reeducar, estejam necessariamente a ser alvo de um tratamento psicoterapêutico profundo e regular, continua.
Em 85% da amostra — um total de 217 rapazes — a perturbação principal diagnosticada é uma das chamadas perturbações disruptivas do comportamento. “O que quer dizer que é uma perturbação grave, em que o comportamento do sujeito está tão desregulado que ele se mostra emocionalmente instável, impulsivo, sem pensar muito bem nas consequências do que faz, sendo capaz de ser agressivo, sem grande censura e sem grande auto-controlo.”
Mais: “Metade dos jovens têm mais do que um diagnóstico diferente de perturbação, são indivíduos em grande sofrimento e altamente perturbados.”
Na abertura do seminário destinado a debater os resultados do projecto PAIPA, no ISCTE, o director-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes, apresentou a questão, da seguinte forma: são jovens cujas “vulnerabilidades são muito mais vastas do que aquelas de que se fala habitualmente — económicas, sociais, etc...”
Contudo, o sistema nacional de saúde não tem capacidade de resposta, há listas de espera para consultas e não há consenso sobre o próprio modelo de intervenção, foi referido no seminário. “O combate à delinquência juvenil tem de ser feito em parceria entre as autoridades judiciárias e o Serviço Nacional de Saúde. Caso contrário, nunca haverá resultados positivos”, dizia, no início desta semana, Licínio Lima, o subdirector da DGRSP, em declarações à Lusa.
Segundo Daniel Rijo, “os miúdos de alguns centros educativos, próximos de zonas urbanas com mais recursos, como Lisboa, Porto, Coimbra, podem ter acesso a uma intervenção na saúde mental, mas, noutras zonas, é mais difícil consegui-lo” — “Estes miúdos são vistos pela psiquiatria, pela pedopsiquiatria, mas depois não há intervenção psicoterapêutica. Ou seja, não há a continuidade nem a intensidade do acompanhamento que devia haver.”
“Na justiça juvenil, já temos uma intervenção altamente especializada ao nível da educação”, prossegue. “Os centros educativos têm currículos alternativos, cursos adequados, uma componente de formação profissional muito desenvolvida. Falta-nos agora uma intervenção mais forte, mais intensa e mais generalizada da parte da saúde mental.”
Em Setembro, segundo a DGRSP, havia dez centros educativos e 271 jovens internados em regime aberto, semiaberto ou fechado (a Lei Tutelar Educativa prevê que a medida de internamento, decretada pelos tribunais, possa ser executada em diferentes regimes, conforme o caso).
Daniel Rijo diz que “não basta agir só porque o miúdo cometeu um acto com relevância do ponto de vista do sistema de justiça juvenil”. “Há uma necessidade de melhoria do seu funcionamento, a todos os níveis. Por isso é que estes miúdos têm tantos problemas aditivos e de consumo de substâncias, abandono escolar precoce, baixa escolaridade. Falharam muitas coisas na vida destes miúdos, não foi apenas o facto de terem cometido um crime.”
Não esperar pela prisão
De acordo com o estudo feito para o PAIPA, muitos jovens intervencionados acumulam retenções na escola (três em média) e provêm (em 81% dos casos) de classes socioeconómicas baixas. A maioria (77,9%) cometeu crimes contra pessoas.
Com a idade, as perturbações tendem a aumentar. “E quase 50% dos jovens do subgrupo dos que têm 18 anos ou mais já têm uma perturbação anti-social da personalidade, o que significa que já houve uma evolução de uma perturbação de conduta para uma perturbação mais grave e mais difícil de mudar.”
O ideal, é que a intervenção psicoterapêutica se faça o mais cedo possível. “E não estarmos à espera de que eles vão parar à prisão mais tarde para uma intervenção que será progressivamente mais difícil e custosa.”
O estudo A prevalência das perturbações mentais em jovens agressores intervencionados pelo Sistema de Justiça Juvenil Português abrangeu 217 rapazes que foram alvo das duas mais graves medidas tutelares previstas na lei, o internamento e o acompanhamento educativo.
Para além do estudo, a equipa testou um modelo de intervenção psicoterapêutica, que foi ensaiado em 12 sessões, com 17 miúdos, feitas por psicólogos da Universidade de Coimbra e da DGRSP.
Daniel Rijo diz que os primeiros resultados são positivos. “Houve mudança clínica significativa” em 50% a 60% dos casos.
"Actualmente, não há nenhuma definição oficial que permita à priori dizer: é este tipo de intervenção que se deve ter com os miúdos. Nem há um consenso, mesmo entre a comunidade científica, sobre um modelo. Devia haver e há organizações internacionais que estão a fazer alguma pressão no sentido de propor guidelines para a intervenção. Neste momento, cada serviço que está em colaboração com cada centro educativo faz um bocadinho o que entende e sabe fazer. Mas em Portugal não temos muitos serviços especializados para trabalhar com adolescentes com perturbação”, remata o professor universitário.