Grades à entrada dos prédios contra sem-abrigo na Almirante Reis em Lisboa
Vice-presidente da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, admitiu que “alguns destes gradeamentos têm licenciamento, outros não” e prometeu medidas para regularizar a situação.
"A tensão é antiga, mas esta reacção dos residentes acaba por ser recente. Houve um ou dois que instalaram e percebeu-se que era eficaz. A questão tem sido replicada por vários prédios e adivinha-se que mais o venham a fazer no futuro", admitiu à Lusa o presidente da Junta de Freguesia dos Anjos, João Grave. É na proximidade da igreja e do refeitório dos Anjos, onde diariamente se concentram dezenas de pessoas sem-abrigo, que também foi colocada a maioria destes gradeamentos. João Grave admite que possam ser cerca de dez os prédios que o têm vindo a fazer, desde há dois anos.
Foi depois de ser assaltada, com recurso a uma faca, que Eugénia Leitão, proprietária de uma loja de mobiliário na Almirante Reis decidiu colocar um gradeamento, castanho e com pequenas aberturas, para impedir que se abrigassem na arcada. O assalto – e a grade – coincidem com a mudança do gabinete do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, para o Intendente, que assinala dois anos no domingo.
“O presidente da câmara só se preocupou em limpar o sítio dele. Empurrou tudo cá para cima. E aí nós aqui tivemos que tapar para nos proteger um bocadinho”, afirmou a comerciante de 61 anos. Já Karim Badrudin e os moradores que habitam paredes-meias com a loja de eletrodomésticos que dirige colocaram o gradeamento há apenas três meses. Hoje, os sem-abrigo ficam de fora. Na arcada há vasos com plantas e colchões à venda.
“Há muitos sem-abrigo por isso é que decidimos todos em conjunto no prédio mandar pôr as grades para não interferir e prejudicar o funcionamento do estabelecimento como a passagem das pessoas no acesso ao prédio”, conta o comerciante.
Karim Badrudin, que gere o negócio que os pais montaram na avenida há 30 anos, admite que o gradeamento “ajuda, mas que mesmo assim a avenida está cheia de sem-abrigo”, que “do Intendente passaram para a Almirante Reis” e afectaram o negócio. “É muito mau para o comércio e para as pessoas que andam na rua. As pessoas estão sempre com medo de serem assaltadas. A Câmara não faz nada”, afirmou.
Joaquim Gonçalves, 80 anos, recentemente mudado para a Almirante Reis, defende que as grades “resolvem o problema perfeitamente e com pouco dinheiro”. Este reformado ainda não conseguiu convencer os vizinhos, mas admite que o prédio onde reside venha a ser brevemente mais um dos que têm grades à porta.
Por sua vez, Bruno Reis, que é proprietário de um prédio na Almirante Reis, opõe-se à instalação de grades, que lhe tem sido pedida por inquilinos. “Os gradeamentos não são a solução. Podem ser solução pontual e pode assegurar a circulação das pessoas inquilinas do prédio, mas no fundo só arrastam um problema para a galeria mais próxima. Acho que temos de encontrar, junto das entidades competentes, outro tipo de solução”, disse.
Uma opinião semelhante tem o presidente da Junta dos Anjos: “A questão não se resolve impondo obstáculos, porque se não estiverem aqui estarão do outro lado da avenida, ou numa porta mais acima que ainda não tenha grades. Nós estamos a empurrar o problema e não a tentar solucioná-lo”. Para João Grave, faltam apoios para “estimular a motivação para que estas [pessoas] procurem um outro estilo de vida”, no sentido de um projecto que a Junta está a desenvolver.
À Lusa, o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, admitiu que “alguns destes gradeamentos têm licenciamento, outros não” e disse que está a ser feito um levantamento destas situações na avenida para regularizar a situação. Por seu turno, António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, sublinhou a existência de programas de apoio aos sem-abrigo promovidos pela autarquia.