Governo usa dois milhões de euros arrecadados com multas para comprar carros para as polícias
Decisão não agrada aos próprios polícias que acreditam que irá transmitir a mensagem de que as forças de segurança terão interesse em incrementar a caça à multa para daí retirarem dinheiro e se equiparem com melhores viaturas.
A reserva das verbas, em parte canalizadas para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANS) e a partir dela depois distribuídas, foi formalizada num despacho do Ministério da Administração Interna recentemente publicado em Diário da República. A tutela justifica a decisão com “o reforço do combate à sinistralidade rodoviária e à reorganização em curso nas forças de segurança”. E especifica que “as verbas destinam-se à aquisição de viaturas pela GNR e pela PSP”. O montante é dividido em partes iguais para cada polícia.
Mas a decisão não agrada aos próprios agentes que consideram que transmite a mensagem de que as forças de segurança terão interesse em incrementar a caça à multa para daí retirarem dinheiro e se equiparem com melhores viaturas.
“O Estado vê-se obrigado a canalizar as verbas das coimas para comprar automóveis para as polícias. E isso pode levar a um entendimento por parte das pessoas que não é muito positivo. Podem pensar que os polícias estão motivados a passar mais multas para ter mais e melhores carros”, critica Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, a estrutura mais representativa entre os agentes da PSP.
Também na GNR a fórmula não acolhe simpatia. “Acho que o Estado não deveria estar a anunciar isso dessa maneira. Não gosto do método. Deveria existir um orçamento próprio para isso”, lamentou o presidente da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda, José Alho.
A ideia não é, porém, nova. Em 2012, o ministério anunciou sete milhões para a compra de novas viaturas nas polícias. O investimento veio da ANSR e de uma percentagem retirada do Fundo de Garantia Automóvel que, anualmente, disponibiliza montantes destinados à prevenção e segurança rodoviária.
Os dirigentes sindicais admitem, contudo, que existe uma necessidade premente na compra de veículos e que a canalização de verbas nesse sentido não deixa de ser positiva. “Nas unidades de trânsito estamos bem, mas nas unidades territoriais e fiscais estamos muito mal em termos de viaturas”, acrescentou José Alho.
Já Paulo Rodrigues sustenta que na PSP são necessárias “viaturas novas” nas divisões de investigação criminal e na Unidade Especial de Polícia que usa “viaturas com dez anos com portas que não abrem e com equipamentos eléctricos que não funcionam". O dirigente defende que a PSP deveria reequacionar o modelo de aquisição de viaturas e “passar da compra directa para o leasing em que ao fim de quatros anos seja obrigatória a troca por uma viatura nova”. Também dessa forma, “pagar-se-ia uma renda fixa, sem mais despesas com manutenção”, sugere.
O despacho não determina os prazos para a compra das viaturas, mas o investimento antes anunciado foi fixado para 2013 e 2014. Já em Julho, o ministro entregou, numa cerimónia em Queluz, 57 novas viaturas ligeiras e 15 motociclos à GNR.
Ao PÚBLICO, a tutela explicou que este plano “traduz o objectivo assumido pelo Ministério da Administração Interna de proceder à aquisição de viaturas de forma planeada, tendo em conta as necessidades estimadas pelas forças de segurança a curto, médio e longo prazo, reduzindo assim a imprevisibilidade e o risco de ruptura no parque automóvel”. Não esclareceu, porém, se esta reserva de dois milhões se manterá anualmente, ou se se verifica apenas este ano.
De acordo com o ministério, a GNR e a PSP têm, cada uma, cerca de 4.400 viaturas, sendo que a “antiguidade média” se situa “entre os 12 e os 13 anos".
A medida ocorre depois de a percentagem de verbas recolhidas com as coimas a atribuir à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) ter sido alterada. A entidade, que até 2011 recebia 20% desses montantes, passa a receber 30%, absorvendo as verbas antes canalizadas para os governos civis então extintos.
“Determinou-se, então, uma concentração de atribuições e uma racionalização da distribuição das competências entre os serviços, por forma a permitir uma maior rentabilização dos recursos existentes, através da reafectação de 10% do produto das coimas arrecadadas por infracções ao Código da Estrada, que anteriormente revertia para as delegações dos governos civis, para a ANSR”, refere o despacho assinado pelo ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. Aliás, boa parte das competências dos governos civis passou para outras entidades da administração pública, nomeadamente para as polícias.