Governo quer protecção de crianças mais controlada pelo Ministério Público
Propostas do Governo passam por novas regras para a adopção: processos não devem durar mais de 12 meses e adoptados têm direito a conhecer as suas origens.
Um dos objectivos é reforçar os mecanismos de controlo e avaliação das medidas de protecção aplicadas pelas CPCJ. Até agora, este tipo de controlo por parte do Ministério Público, com um prazo definido, não existia. Esta é uma das mudanças aprovadas nesta quinta-feira em Conselho de Ministros e faz parte de uma reforma mais geral, que abrange todo o sistema de protecção de crianças, mas também o regime jurídico da adopção.
De acordo com dados do Governo, havia, em Dezembro de 2014, um total de 1805 candidatos em lista de espera para adoptar e 429 crianças em situação de adoptabilidade — ou seja, o número de candidatos era mais de quatro vezes superior ao número de crianças que podiam ser adoptadas.
A esmagadora maioria dos aspirantes a pais adoptivos está disponível para receber crianças até aos seis anos. Mas só há 178 crianças com essa idade. Para além disso, o número de crianças com problemas graves ou deficiências corresponde a 15 vezes mais do que o número de candidatos que dizem estar disponíveis para aceitar esse perfil de criança.
O Governo acredita, ainda assim, que é possível melhorar e agilizar os procedimentos de adopção. A proposta aprovada em Conselho de Ministros passa desde logo por definir que 12 meses é o período máximo que um processo deve ter. Por exemplo, define-se que os candidatos a pais adoptivos devem ser avaliados e seleccionados em seis meses e que a decisão da Segurança Social sobre se uma criança é ou não adequada para uma família candidata deve ser tomada em 15 dias. A fase de ajustamento entre candidato e criança também não deve ser superior a seis meses.
"Proteger as crianças"
“Queremos estabelecer prazos efectivos obrigatórios para as decisões”, disse o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social no final do Conselho de Ministros, citado pela agência Lusa. “O prazo administrativo vai ter de ser um prazo de 12 meses no máximo, exactamente para garantir que se pode muito mais rapidamente fazer esse mesmo ajustamento, isto é, conseguir que uma família possa efectivamente adoptar”, declarou Pedro Mota Soares.
Segundo o ministro, “proteger as crianças é o centro desta reforma, encurtar os prazos, reduzir a burocracia é o método” e “apoiar e simplificar a vida das famílias que querem adoptar é o eixo estrutural” do diploma relativo à adopção. Um diploma que consagra também, pela primeira vez, o direito dos adoptados de conhecerem as suas origens.
Há cerca de 8500 crianças que foram retiradas às famílias e vivem em instituições de acolhimento. E o último Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ mostra que, em 2013, estas estruturas lidaram com cerca de 71.567 crianças.
Actualmente, podem candidatar-se à adopção de crianças duas pessoas casadas ou em união de facto — mas os casais de homossexuais estão excluídos deste direito — ou pessoas singulares. E podem ser adoptadas crianças que tenham até 15 anos à data em que o seu processo entra no tribunal.
Abusos sexuais fora das CPCJ
Mota Soares afirmou que o executivo PSD/CDS-PP pretende pôr fim à “grande dispersão de legislação” sobre esta matéria, concentrando normas num “instrumento único”. Que se chamará Regime Jurídico do Processo de Adopção. Este prevê ainda que as famílias adoptivas sejam acompanhadas nas diferentes fases do processo, inclusivamente após a adopção se concretizar, se assim o entenderem.
Eliminam-se algumas figuras legais, como a adopção restrita (que hoje tem entre as suas particularidades o facto de poder ser, em certas circunstâncias, revogada) e agiliza-se o processo de consentimento prévio — nos casos em que se aplica, a família biológica será chamada a dar o seu consentimento à adopção perante um juiz, no próprio dia em que tal é requerido.
O Governo aprovou ainda uma proposta de lei sobre o regime geral do processo tutelar cível — “Queremos que passe a ser consagrado o princípio de uma criança, um processo”, disse o ministro. E mudanças à lei de protecção de crianças e jovens em perigo. E aqui há várias alterações propostas. Por exemplo: os casos de abuso sexual intrafamiliares saem da esfera de competência das CPCJ — e passam para a dos juízes dos tribunais de família e menores. A ideia é permitir uma intervenção imediata do tribunal, reconhecendo o carácter de urgência da situação.
Prevê-se ainda que para cada criança e jovem acompanhado por uma CPCJ haja um “gestor de processo” — as CPCJ, recorde-se, podem valer-se de várias medidas para promover os direitos das crianças e protegê-las, desde logo accionando os diferentes organismos nelas representados, da Educação à Saúde. O gestor previsto na proposta terá como função coordenar as diferentes intervenções.
A Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, por sua vez, deverá mudar de nome, para Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. E de estatuto: a proposta é para que passe a ser uma entidade com autonomia administrativa e financeira e um orçamento próprio.
A nova comissão nacional deverá ter sete delegações regionais (cinco no continente e duas nas regiões autónomas), o que significa a descentralização do acompanhamento das CPCJ (há 278 no continente), que se pretende que seja mais próximo.
As propostas aprovadas em Conselho de Ministros terão agora de ser discutidas e aprovadas no Parlamento. Elas são o resultado de um trabalho desenvolvido por duas comissões técnicas criadas para que fosse feita uma revisão legislativa na área da protecção da criança, organização tutelar de menores e adopção. As comissões entregaram os seus relatórios ao Governo em Fevereiro. Uma foi coordenada pelo procurador-geral adjunto Maia Neto e a outra pela procuradora-geral adjunta Lucília Gago.