Governo nega cortes na educação especial, mas admite que “maior rigor” pode ter afectado apoios
Associação do sector diz que 12 mil crianças estão em risco e seis mil técnicos podem ficar sem emprego. Governo desmente ao mesmo tempo que diz que é "preciso ser rigoroso" com o dinheiro dos portugueses".
“É completamente falso que nós tenhamos mudado as regras do jogo. Está um grupo de trabalho a estudar a legislação existente e, portanto, tudo que estava em vigor encontra-se em vigor. Em segundo lugar é completamente falso que o Governo tenha feito cortes na área da educação especial. O número de crianças envolvidas e os montantes envolvidos nestes apoios à educação especial têm vindo aumentar paulatinamente ao longo dos últimos três anos”, disse Agostinho Branquinho à margem da inauguração da Casa Bento XVI, um projecto social da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
O secretário de Estado assumiu, porém, que as queixas recentes de alguns pais que dizem ter perdido os apoios se devem a “um maior rigor” ao mesmo tempo que admitiu a possibilidade de “problemas” derivados de erros técnicos, mas nunca por “questões orçamentais”. Até porque, disse, “o nível de execução orçamental nunca foi de 100 por cento. Houve sempre folga nessa matéria. Agora, temos de dar apoio a quem de facto precisa de educação especial”, defendeu.
De acordo com os dados consultados pelo PÚBLICO no portal da Segurança Social na Internet, na estatística referente às prestações pagas para estes apoios, verifica-se que entre 2012 e 2013 houve, de facto, uma quebra. Em 2012, 15 387 crianças beneficiavam deste apoio, enquanto em 2013 o número baixou para 13 527.
SEE é o terceiro maior encargo da Segurança Social
Aliás, no primeiro trimestre de 2013 foram gastos menos cerca de dois milhões de euros com prestações deste apoio relativamente ao período homologo de 2012, segundo o Relatório do Grupo de Trabalho para o estudo do Subsídio de Educação Especial elaborado em Junho do ano passado.
Este documento, ao qual o PÚBLICO teve acesso, e que o Bloco de Esquerda havia requerido, sem sucesso, ao Governo em Outubro, assume que o SEE é o “terceiro maior encargo financeiro da Segurança Social no âmbito das prestações por deficiência, depois da bonificação por deficiência e do subsidio mensal vitalício”.
O grupo de trabalho conclui ainda pela necessidade de rever o regime de comparticipação do SEE e admite a criação de uma Prestação Única por Deficiência, “cuja majoração pode ocupar o espaço do SEE”. Para evitar constrangimentos e duplicações, o mesmo grupo sugere a passagem da gestão da atribuição do SEE para a área do Ministério da Educação e Ciência.
“Quando estamos a gastar o dinheiro dos portugueses, temos de ser muito rigorosos na sua aplicação. Até porque os recursos escasseiam e os portugueses não estão disponíveis, e bem, para pagar mais impostos”, acrescentou o governante dando conta de que a administração central está a “harmonizar procedimentos para as crianças que têm de facto necessidades de apoio”.
Pais não recebem apoios desde o ano passado
O presidente da ANEAE, Bruno Carvalho, contraria as declarações de Agostinho Branquinho. “Já não fico admirado com nada. Desde Setembro de 2013 que os pais não recebem os apoios que o Estado tem disponíveis e, neste momento, já temos evidências de 300 processos que foram devolvidos”, disse ao PÚBLICO. O responsável adiantou ainda ter a indicação de técnicos e clínicas que cessaram a actividade o que coloca em risco “entre 11 a 12 mil crianças que vão ficar sem estes apoios”.
Bruno Carvalho alerta ainda que “estão a ser os delegados regionais de educação e não médicos especialistas que estão a decidir quem é ou não apoiado”. Em causa está um protocolo, de Outubro de 2013 entre o Instituto de Segurança Social (ISS) e a Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares, onde ficou definido que a aferição da deficiência da criança ou do jovem e a consequente atribuição do subsidio passava a ser responsabilidade não de um médico, mas de “organismos exteriores em ligação com o ISS”. Carvalho diz que este “protocolo ilegal” permite que “se ignore os pareceres dos médicos especialistas”.
Segundo o dirigente, estarão também em vias de ir para o desemprego seis mil técnicos da área, entre psicólogos, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais.
Não se referindo directamente à questão da dispensa de técnicos, Branquinho disse apenas que é “falso que nós tenhamos colocado a decidir sobre essas questões do subsidio especial pessoas que não sejam médicas. Quem decide, quem faz o diagnóstico e quem indica quais são os tratamentos são médicos. É isso que diz a lei do nosso país. Agora, muitas vezes a seguir a este diagnóstico quem executa obviamente são os técnicos da área da psicologia, terapia da fala”, explicou.
Actualizado às 21h10 com os dados do Relatório do Grupo de Trabalho para o estudo do Subsídio de Educação Especial.