Futuros médicos ficam sem especialidade se chumbarem em prova de avaliação
Projecto de decreto-lei de revisão do internato médico é contestado pela Federação Nacional dos Médicos.
A situação é “de tal forma grave” que, se não houver recuo por parte do Ministério da Saúde, a alternativa pode passar por “uma nova greve dos médicos”, antecipa o dirigente sindical, que recorda que “[a ex-ministra da Saúde] Leonor Beleza fez o mesmo há 20 anos e depois voltou atrás”.
Actualmente, os licenciados em Medicina são sujeitos a uma prova nacional de seriação que inclui perguntas de escolha múltipla, mas todos acabam por poder escolher uma especialidade.
Ao transformar a actual prova de seriação numa nova prova de avaliação, “estabelecendo 50% de exigência de respostas certas”, o Ministério da Saúde visa “retomar uma medida de há 20 anos em que foram criadas largas centenas de médicos indiferenciados sem qualquer formação especializada e que passaram a ser contratados à tarefa e a baixíssimos preços”, recorda a FNAM, em comunicado esta terça-feira divulgado.
Se a proposta passar pelo crivo da Ordem dos Médicos (OM) nos moldes em que está definida, os futuros licenciados em Medicina vão ainda passar a fazer o internato não só em hospitais públicos, mas também em unidades privadas e do sector social (como as misericórdias). A primeira prova nacional de selecção está prevista para 2015.
Outra alteração criticada por Mário Jorge Neves tem que ver com a passagem, para a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), da tarefa de definição dos serviços com idoneidade para formar os futuros especialistas. Esta tarefa está actualmente a cargo da Ordem dos Médicos, através dos vários colégios de especialidade.
Para o dirigente sindical, com estas alterações o Ministério da Saúde pretende sobretudo“poupar dinheiro”, uma vez que poderá “pagar menos a médicos indiferenciados”..
FNAM contesta
Admitindo que no futuro vai haver médicos indiferenciados, o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, não concorda com a interpretação do dirigente da FNAM e considera “prematuro” discutir esta matéria. “A proposta ainda não foi enviada para os sindicatos e vai ter que ser negociada”, justifica. Mas reconhece que não há alternativas.”Vai haver um momento em que teremos dois mil médicos e não vai ser possível formar todos”, explica.
A revisão do regime do internato médico está a ser preparada há anos e foi estudada por um grupo de trabalho que entregou a sua proposta em 2012.
Entretanto, a FNAM contesta também o despacho publicado em 27 de Janeiro que veio estabelecer quotas para a contratação de profissionais de saúde em regime de prestação de serviços (os chamados “tarefeiros”). O despacho estabelece um total de horas que é inferior em 10% às contratadas em 2013, mas mesmo assim são "72 mil horas semanais, correspondentes ao trabalho de 1800 médicos a 40 horas por semana", segundo as contas efectuadas pelos responsáveis do SIM, que também criticam esta medida.
“Esta foi uma das questões fundamentais na contestação que precedeu a última greve dos médicos e na altura o ministro da Saúde comprometeu-se a tornar residual este tipo de contratação”, recorda o presidente da FNAM, Sérgio Esperança.
O Ministério da Saúde estabeleceu quotas para as cinco administrações regionais de saúde que agora estão a definir os plafonds a atribuir a cada hospital. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo ficou com quase metade do total de horas.
Ministério empenhado em contratar médicos de família
Se há médicos que têm colocação no quadro garantida são os médicos de família, que continuam a não ser suficientes para suprir as carências nos centros de saúde, admite a tutela. O Ministério da Saúde vai por isso abrir este mês mais um concurso para 200 vagas dirigido a médicos de família que se encontram fora do Serviço Nacional de Saúde e vai autorizar em breve o recrutamento de 100 profissionais reformados.
São medidas excepcionais que visam dar resposta “à carência estrutural de médicos com esta especialidade”, esclarece o ministério em nota enviada à imprensa, acrescentando que os médicos de família que concorreram às vagas abertas nos recentes concursos realizados são insuficientes para suprir as necessidades. “De alguma forma se trata de uma questão de natureza financeira, antes se deve à estrutural escassez de profissionais nesta área”, assegura.
O ministério destaca ainda o trabalho que tem sido feito pelas administrações regionais de saúde (ARS) na actualização das listas de utentes dos centros de saúde e que, só na ARS de Lisboa e Vale do Tejo, permitiu dar médico de família “a cerca de 450 mil utentes”. Para este resultado contribuiu também a passagem dos profissionais de saúde de um regime de trabalho de 35 para 40 horas, lembra.
“Como é do conhecimento geral, nunca houve em Portugal suficientes especialistas de medicina geral e familiar para dar resposta a todas as necessidades”, razão que justifica estas "medidas excepcionais”, refere ainda o ministério, que adianta que este ano entraram 436 internos, o "maior número de sempre”.