Combate às drogas ilegais está a falhar, alertam investigadores
Preço das drogas caiu e que estas estão mais puras. Investigadores sugerem no British Medical Journal que caminho passa pela despenalização em vez de se apostar em leis duras.
O relatório foi feito com base nos dados de sete observatórios diferentes relacionados com o consumo e tráfico de droga e que contêm informação, de pelo menos dez anos, relacionada com o preço e a pureza da cannabis, cocaína e opiáceos, incluindo heroína. Um deles contém dados de todos os países das Nações Unidas. Os investigadores consideram que chegou a altura de se assumir que o consumo de droga é um problema de saúde pública, muito mais do que uma questão criminal.
De acordo com o documento, entre 1990 e 2010 o preço da droga vendida nas ruas baixou e, pelo contrário, a sua pureza e potência aumentou. Na Europa, por exemplo, o preço dos opiáceos e da cocaína ajustado pela inflação e pureza caiu 74% e 51%, respectivamente, no período de dez anos, de acordo com o observatório sedeado em Vancouver, no Canadá.
Em relação às quantidades apreendidas, também foi possível encontrar uma tendência de aumento consistente desde 1990, tanto na cocaína, heroína como na cannabis, sendo que os autores atribuem estas falhas ao facto de as estratégias dos países se terem focado maioritariamente em endurecer a legislação em vez de optar por soluções como a despenalização.
“Estas conclusões sugerem que expandir esforços no sentido de controlar o mercado ilegal de droga através do endurecimento legal está a falhar”, lê-se no estudo, citado pela BBC. E acrescenta-se: “Precisamos desesperadamente de mudar de um regime proibicionista para um de regulamentação legal”.
Um dos co-autores do estudo, Evan Wood, do International Centre for Science in Drug Policy, com sede no Canadá, reiterou a importância de enquadrar a política de combate às drogas como mais uma vertente da “saúde e segurança da comunidade”, apostando mais em tratamentos do que em condenações.
Dados das Nações Unidas indicam que o tráfico de droga possa representar um volume anual de negócio na ordem dos 350 mil milhões de dólares, contribuindo também para o aumento da incidência de doenças infecciosas como o VIH e para a violência e a criminalidade em muitos países.
Novo plano para Portugal
Em Portugal, entrou em Agosto em discussão pública o Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências. A estratégia, que deverá vigorar entre 2013 e 2020, dirige-se às adições com e sem substâncias psicoactivas, e tem em conta os vários ciclos de vida e estabelece metas quantitativas: a prevalência de consumo de drogas em Portugal terá de diminuir 10% nos próximos três anos.
Das avaliações ao Plano Nacional Contra a Droga e as Toxicodependências 2005/2012 e ao Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool 2010/2012 resultou a opção de alargar a estrutura de coordenação aos comportamentos aditivos que não o álcool e as drogas ilícitas.
O atraso na apresentação do plano é imputado à mudança que, em Dezembro de 2011, extinguiu o Instituto da Droga e da Toxicodependência e criou o Serviço e Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD), transferindo para as administrações regionais de saúde a resposta ao fenómeno.
O texto é uma espécie de tratado sobre dependências. Está muito orientado para a redução da oferta e da procura. E deverá ser complementado com planos de acção baseados em diagnósticos. A estratégia, agora em debate, propõe que a intervenção se faça atendendo aos contextos sociais e aos ciclos de vida. Esses ciclos compreendem a gravidez, o período pré-natal, as crianças até nove anos, as crianças e jovens dos dez aos 24, os adultos dos 25 aos 64 e os idosos a partir dos 65. O objectivo é reduzir todas as dependências em todas as idades.
Aliás, as políticas seguidas em Portugal nesta área têm sido várias vezes citadas como paradigma a nível internacional. Por exemplo, há um ano, no Reino Unido, um relatório que defendia a despenalização do consumo de drogas naquele país citava Portugal como um exemplo de sucesso na estratégia que já implementou há cerca de 12 anos.
Portugal descriminalizou em 2001 a posse de cannabis, cocaína, heroína e metanfetaminas para consumo próprio, tendo passado a considerar o toxicodependente como doente e substituindo a pena de prisão pela possibilidade de o infractor ser encaminhado para uma Comissão de Dissuasão e para tratamento. Foi ainda em 1998 que José Sócrates, na altura ministro-adjunto do primeiro-ministro António Guterres, lançou uma política integrada para a toxicodependência, que começou a vigorar três anos depois - apostava na redução de riscos, nomeadamente através da vulgarização da substituição por metadona e do alargamento da troca de seringas.