Estado condenado a indemnizar homem julgado e preso injustamente por abuso sexual

O verdadeiro autor do crime deu uma identificação errada à Polícia Judiciária e esta não verificou a veracidade da informação.

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Homem inocente esteve detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa durante um mês Gonçalo Santos

Segundo o acórdão do tribunal de Gaia, a que a Lusa teve acesso nesta quarta-feira, em 2008, o verdadeiro autor do crime, depois de detido, identificou-se "falsamente" na Polícia Judiciária do Porto como sendo Bacar Balde. Foi com esse nome que foi presente a primeiro interrogatório judicial, sem que os inspectores confirmassem a veracidade da identidade apresentada pelo suspeito, que ficou sujeito à medida de coacção de termo de identidade e residência.

Em Outubro de 2009, o Ministério Público acusou Bacar Balde de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e, após várias tentativas falhadas de notificação, em Maio de 2010, o tribunal julgou e condenou, na sua ausência, o "identificado" como Bacar Balde a três anos e meio de prisão efectiva. As autoridades detectaram o "erro na detenção do verdadeiro autor" do crime, depois da realização de testes de ADN, os quais comprovaram que o homem [na casa dos 30 anos] que estava a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Lisboa "nada tinha a ver com os factos denunciados".

Quando foram emitidos os mandados de libertação, já Bacar Balde tinha cumprido um mês da pena, entre 16 de Outubro e 15 de Novembro de 2010, dia em que foi solto. Três anos depois, e de acordo com o acórdão proferido em Outubro, o tribunal de Gaia condenou o Estado português a pagar 15 mil euros ao homem por danos não-patrimoniais.

"Houve erro na identificação do suspeito, por negligência grave dos intervenientes em todas as fases do processo penal que se iniciou com a notícia do crime e conduziu à prisão ilegal do autor, o qual permaneceu preso pelo período de um mês, correspondente ao tempo que as autoridades demoraram a detectar e confirmar a existência desse mesmo erro", sustenta o tribunal.

O acórdão frisa que "não foram confrontadas em sede de inquérito as informações constantes de bases de dados informáticas da Polícia Judiciária, por referência ao nome e ao número de identificação civil fornecidos pelo [verdadeiro] suspeito aquando da sua detenção e subsequente interrogatório". Também antes do julgamento "não foi solicitado relatório social sobre o enquadramento social e familiar" do [suposto] arguido.

O acórdão atribuiu as responsabilidades à actuação da investigação e explica que "em nenhum momento" o tribunal poderia antever que estava a julgar a pessoa errada, frisando que a sentença condenatória foi proferida "na convicção" de que a pessoa julgada era o autor do crime e acusado no processo. "No momento em que o processo atinge a fase de julgamento, o tribunal encontrava-se perante uma acusação deduzida contra alguém, com identificação pormenorizada, identificado em sede de inquérito, como sendo a pessoa do autor, com bilhete de identidade válido e submetido a termo de identidade e residência", justifica o acórdão.

O acórdão do tribunal de Gaia critica também o comportamento do lesado, por "nada requerer no processo" que permitisse evitar a sua prisão, uma vez que, "tendo antecedentes criminais" [por outro tipo de crimes], sabia o funcionamento da justiça quando foi notificado da sentença condenatória. Contudo, a "actuação omissiva" de Bacar Balde "não exclui a responsabilidade" da administração, mas contribuiu como atenuante na indemnização a pagar pelo Estado.

Fonte ligada ao processo adiantou à Lusa que o verdadeiro autor do crime de abuso sexual continua sem ser identificado.