Educação, o paroxismo da irresponsabilidade

Liquidaram em poucos dias tudo o que de provadamente acertado pôde ser feito nos últimos anos.

Absolutamente contra a prova  dos  factos, dos resultados, dos avanços mais recentes das ciências cognitivas e agora, também, o aviso informado e corajoso de directores,  volta a ser imposta a escola  facilitista, das teorias delirantes dos "especialistas" da educação, do fim da avaliação, da farsa das aferições,  dos resultados (ocultados) sempre a piorar, da desmotivação dos alunos, da desvalorização do trabalho dos professores, do "difícil é sentá-los", do alheamento dos pais, do abandono escolar galopante,  da desregulação e irresponsabilização gerais, da fuga para o ensino privado daqueles que o puderem pagar. Das desigualdades sociais sempre a crescerem, como aconteceu em todos esses anos. Porque a escola pública sem exigência, sem avaliação, sem desafio, prejudica sobretudo, como  qualquer pessoa que queira ver percebe, os mais desfavorecidos.  Os que entrando para ela sem nada, fogem ou saem dela sem coisa nenhuma.

Numa  espécie de solução final, com uma cegueira ideológica devastadora,  uma sanha vingativa que assusta, liquidaram em poucos dias tudo o que de provadamente acertado pôde ser feito nos últimos anos.

Mudanças recentes cujo acerto foi rapidamente  confirmado  pela subida das médias nos exames, pela diminuição da necessidade de retenções, pelo crescimento da procura do ensino profissionalizante. Acerto que mais factos acabam de reforçar: as médias dos exames e das classificações externas deste ano, das escolas básicas e secundárias públicas, continuaram a melhorar.  Melhoria para a qual foi determinante o desafio colocado pelos exames às escolas, aos directores, aos professores, aos alunos e aos pais. Sem exames não haveria, aliás, resultados sérios para analisar (1).

O resultado foi o contrário do que os ideólogos do laxismo previam: com a exigência verificou-se uma  redução  finalmente significativa do abandono escolar.  É essa conquista que é agora ameaçada.

Estamos a assistir ao acto político mais estúpido, de efeitos mais funestos, na história da educação depois do 25 de Abril. Acto só comparável à liquidação nos anos setenta do ensino técnico e comercial, do projecto de valorização e dignificação dessas vias de ensino preparado por Veiga Simão. Liquidação  então também  aprovada pela AR, no caso pela unanimidade  dos deputados, muitos por cobardia. Começava o tempo da cegueira delirante e socialmente assassina da escola igualitarista, do "todos têm de ser doutores", do ensino público inútil. (2)

Porque esse acto estaria na origem do abandono escolar galopante, que atingiu níveis superiores a 40%, que viria a atirar para a desqualificação,  o desemprego e a marginalidade milhares e milhares de jovens portugueses. Abandono escolar que só começou a diminuir, localizadamente,  com a criação tímida de cursos técnicos profissionais, com o incentivo que depois lhes deu David Justino. Cursos depois tolerados, mas desencorajados, por Maria de Lourdes Rodrigues. Porque não dava às escolas os meios materiais e os recursos humanos necessários, porque as alternativas eram escondidas e desenquadradas de um caminho de progressão escolar. Juntava-se escondido o insucesso em CEFs, PIERs e outras invenções.   Finalmente com o governo de Passos Coelho e Nuno Crato, o ensino vocacional e profissional, com a possibilidade de acesso ao ensino superior, foi assumido como uma prioridade. E em apenas dois anos  se revelaram os benefícios de uma via de ensino que nos países avançados, com menos desigualdades sociais, é frequentado por mais de metade da população escolar. Exemplos: a Finlândia,  a Suíça.

Como pouco antes de nos deixar  Veiga Simão me lembrou,  só uma voz se ergueu, então, contra aquela  medida educativa  socialmente assassina.  A voz informada,  avisada,  de A. Sedas Nunes, que estudara bem a educação e a  tragédia da cegueira ideológica.

E hoje?  Hoje apenas vi – mas finalmente! – um universitário (socialista, aliás), Vital Moreira, opor-se ao fim do exame do quarto ano de escolaridade. Exame  vital na situação concreta educativa e na realidade cultural e social do País. Como esperançosamente Vital Moreira percebeu.

Os exames – é  preciso dizê-lo? – não são para "chumbar" os alunos. São, pelo contrário, para que cada vez menos se verifique a necessidade de retenções, para que os alunos transitem sabendo.

António Costa não vê a evidência disto tudo? Como pode defender ou permitir o regresso dessa escola? Dessa escola em que mais de 30% das crianças terminavam o primeiro ciclo do ensino básico sem saberem ler, iletrados para sempre? Como pode escolher o nivelar por baixo, que afectará mais e sobretudo as crianças pobres, as  que não podem pagar o ensino privado, voltando  a fazer crescer  a ignorância e as desigualdades na sociedade, preparando-a, como a nossa história prova, para o jugo de demagogos e de tiranos?

Em vez de defender o nivelar por cima, que não podendo ser, por razões humanas e sobretudo de liberdade, completamente atingível, a todos elevará.

Como pode o  PS voltar a ignorar esse ideal humano mais distintivo, fonte da liberdade, herança liberal mais nobre  também do socialismo e da esquerda democráticas, na educação? Dar a oportunidade aos mais desfavorecidos de se instruírem e mudarem o seu destino.

1) “Há mais boas notas e muito mais  informação. Mas é preciso  cuidar das fragilidades agora mais a nu. (...)  mais de 80% das escolas secundárias tiveram este ano média  positiva nos exames, mais do que duplicando relativamente ao ano negro de 2013. (...) A informação disponibilizada pelo ministério nunca foi tanta (...) permitindo análises e abordagens  até aqui impensáveis”. Ver o editorial do PÚBLICO (12/12/15).

2) Toleraram  hipocritamente a emergência, imposta pela realidade, das escolas profissionais privadas, refúgio para os desqualificados do ensino público, que as podiam pagar. 

Editor da Gradiva
 

 

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